quarta-feira, 20 de abril de 2016

Caboclo na cultura brasileira e na Umbanda

Caboclo na cultura brasileira e na Umbanda: O Caboclo das Sete Encruzilhadas, incorporado no seu médium Zélio Fernandino de Moraes, foi a primeira entidade a se manifestar na Umbanda, fundando a religião. Neste dia, foi observado que ele estava com vestes de sacerdote católico e, plasmado como tal, quando questionando por um médium clarividente sobre esta condição, o Caboclo afirmou ter sido,…


                                 Preto Velho Fala Com Kardec 


por Alexandre Cumino

Não podemos dizer que a atitude dos senhores presentes na famosa sessão espírita do dia 15 de Novembro de 1908 seria aprovada por Allan Kardec, ou que estariam embasados na filosofia codificada por ele, no momento em que expulsam os espíritos de ex-escravos negros da mesa de comunicações, na qual se manifestou pela primeira vez o Caboclo das Sete Encruzilhadas na mediunidade de Zélio de Moraes. 

Com certeza Kardec não teria a mesma atitude.  

Uma prova de que Kardec, no mínimo, ouviria o que o Preto-velho e o Caboclo têm a dizer é o diálogo travado entre Kardec e “Pai César”, um negro nascido na África e levado para Louisiana quando tinha 15 anos. 

Esta entidade lembra muito as características que identificam um “Pretovelho”, embora lhe falte a ideologia umbandista inseparável da entidade de Umbanda, no entanto, não foi tratado com diferença por Kardec, muito menos discriminação, como podemos ver abaixo:  

PRETO VELHO FALA COM KARDEC  

Pouca gente sabe, mas numa das reuniões realizadas na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, Allan Kardec evocou um Espírito que, segundo as terminologias da cultura brasileira, poderia ser classificado como um “preto-velho”. 

Esse encontro, narrado pelo próprio Kardec nas páginas da sua histórica “Revista Espírita” (Revue Spirite), de junho de 1859, aconteceu na reunião do dia 25 de março daquele mesmo ano. 

Pai César – este o nome do Espírito comunicante – havia desencarnado em 8 de fevereiro também de 1859 com 138 anos de idade – segundo davam conta as notícias da época –, fato este que certamente chamou a atenção do Codificador, que logo se interessou em obter, da Espiritualidade, mais informações sobre o falecido, que havia encerrado a sua existência física perto de Covington, nos Estados Unidos. 

Pai César havia nascido na África e tinha sido levado para a Louisiana quando tinha apenas 15 anos. 

Antes de iniciar a sessão em que se faria presente Pai César, Allan Kardec indagou ao Espírito São Luís, que coordenava o trabalho, se haveria algum impedimento em evocar aquele companheiro recém-chegado ao Plano Espiritual. 

Ao que respondeu São Luís que não, prontificando-se, inclusive, a prestar auxílio no intercâmbio. 

E assim se fez. 

A comunicação, contudo, mal iniciada, já conclamou os participantes do grupo a muitas reflexões. 

Na sua mensagem, Pai César desabafou, expondo a todos as mágoas guardadas em seu coração, fruto dos sofrimentos por que passara na Terra em função do preconceito que naqueles dias grassava em ainda maior escala do que hoje. 

E tamanhas eram as feridas que trazia no peito que chegou a dizer a Kardec que não gostaria de voltar à Terra novamente como negro, estaria assim, no seu entendimento, fugindo da maldade, fruto da ignorância humana. 

Quando indagado também sobre sua idade, se tinha vivido mesmo 138 anos, Pai César disse não ter certeza, fato compreensível, como esclarece o Codificador, visto que os negros não possuíam naqueles tempos registro civil de nascimento, sobretudo os oriundos da África, pelo que só poderiam ter uma noção aproximada da sua idade real. 
  
A comunicação de Pai César certamente ajudou Kardec, em muito, a reforçar as suas teses contra o preconceito, o mesmo preconceito que o levou a fazer, dois anos depois, nas páginas da mesma “Revista Espírita”, em outubro de 1861, a declaração a seguir, na qual deixou patente o papel que o Espiritismo teria no processo evolutivo da Humanidade, ajudando a pôr fim na escuridão que ainda subjuga mentes e corações:

“O Espiritismo, restituindo ao espírito o seu verdadeiro papel na criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor.”  

O texto que acabamos de ler acima foi disponibilizado por nosso irmão Roberto (Mestre Azul) no site: http://mestreazul.blogspot.com/2008/05/umbanda-preto-velho-kardec.html, consultado na data de 21 de Fevereiro de 2009, neste mesmo endereço eletrônico o irmão Mestre Azul cita sua fonte: Boletim n° 2090, 19/04/2008, SERVIÇO ESPÍRITA DE INFORMAÇÕES, Lar Fabiano de Cristo, Rio de Janeiro. 

Este diálogo pode ser confirmado no livro “Tesouros da Revista Espírita de Allan Kardec”, Ed. FEESP, 2008, pp.101- 102. 

Abaixo coloco apenas um fragmento do texto original:  

Kardec: 

Em que o senhor utiliza seu tempo, agora? 

Pai César: 

Procuro me esclarecer e pensar em que corpo seria melhor eu nascer de novo. 

Kardec: 

Quando estava vivo, o que achava dos brancos? 

Pai César: 

Achava que eram bons, mas tinham orgulho de uma brancura que não é mérito deles 
[...] 
Kardec: 

O senhor disse que estava procurando um corpo para reencarnar; vai escolher um corpo branco ou negro? 

Pai César: 

Branco, porque o desprezo das pessoas me faz sofrer [...]  

Podemos observar um espírito que na última encarnação foi um negro, desencarnado já com idade suficiente para considerar-se ancião, um “negro velho”, se comunicando com Kardec e embora para muitos “negro-velho” ou “negro-ancião” e “preto-velho” seja a mesma coisa, para Umbanda “preto-velho” se insere num contexto doutrinário. 

Reflete um arquétipo de sabedoria, iluminação e superação de todos os obstáculos que a vida lhe ofereceu. 

Preto-velho não é o que “sofreu” e se “amargurou” e sim aquele que esteve e está acima de todo o sofrimento. 

“Preto-velho” é aquele que representa a vitória acima de todos os grilhões que a vida nos impõe, “preto-velho” é aquele que nos ensina que maiores são os grilhões da ilusão que nos prendem ao ego e à vaidade de crer que uma raça possa ser superior à outra. 

“Preto-velho” ensina que quando o “branco” lhe colocou correntes estava acorrentando a si mesmo nas leis inexoráveis de causa e efeito, que mais dia menos dia haveria de pesar na alma dos “senhores”. 

“Preto-velho” é aquele que ensina que aguentar firme e na fé as “chibatadas” que a vida nos dá confere valores de uma força espiritual que em nada se compara com a força física. 

“Preto-velho” é “símbolo” de Umbanda, figura que por si só já exerce um impacto doutrinário. 

Pois é este humilde, ex-escravo, que foi acorrentado e muito apanhou nos troncos de engenho que está ali para ouvir nossas queixas sobre a vida. 

É da boca do velho de fala baixa e mansa que vamos colher a essência de sabedoria para a vida. 

Diante deste “arquétipo”, mesmo em completo silêncio, somos levados à reflexão sobre nós mesmos e nossa postura diante da vida, repensamos o que costumamos chamar de “problemas”, encontrando no “modelo” “preto-velho” um caminho que transcende a personalidade daquele espírito para firmar-se como elemento ritualístico, a forma pela qual estas entidades “escolheram” para manifestar-se na religião. 

Seguindo os velhos iluminados, os “originais” e “ancestrais” “pretos-velhos”, espíritos missionários que pediram, escolheram e foram escolhidos para nascer em meio à escravidão, aqui no Brasil, com a finalidade de trazer um pouco de luz a tantas almas presas no cativeiro material e espiritual. 

Estes milhares de espíritos: “Pai José”, “Pai João”, “Pai Benedito”, “Pai Antônio” ou “Vovó Maria” etc., com nomes cristãos de escravos batizados, seguem o modelo daqueles que junto aos “Caboclos” fundaram a Umbanda e nela definiram arquétipos (“Preto-velho” e “Caboclo”) que são em si mesmos a figura de seus iluminados fundadores. 

Mais tarde viriam outros arquétipos como ciganos, baianos, boiadeiros, marinheiros e etc. nesta Umbanda que tem um perfil altamente “inclusivo”, que não exclui nada nem ninguém.  

Fica assim uma reflexão sobre o que é o “preto-velho” enquanto elemento, valor e símbolo indissociável da cultura e religião umbandista. 

“Preto-velho” expressa muito mais que “raça negra” e “idade avançada”, é o identificador de um dos elementos formadores da Umbanda. 

Nem todo “preto velho” foi um velho negro, mas todos que assim se manifestam optaram por esta forma de manifestação, portanto que não se confunda opção com falta de opção. 

Por mais que especulemos nunca sabemos em profundidade com quem nos comunicamos no mundo espiritual; além de um nome, de seu perfil e forma plasmada; e é por isso que vale sempre avaliar o teor das mensagens e a vibração própria de cada entidade. 

Por este fundamento é que Gabriel de Malagrida em sua memorável manifestação primeira teria dito se é que preciso de um nome, seja então Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim. 

Já surge com nome simbólico e explicando o simbolismo do mesmo. 

Os guias espirituais e mentores na Umbanda se valem da forma de apresentação como recurso psicológico e emocional para alcançarem certo objetivo com relação a quem lhes procura, assim a figura “preto-velho”, como as outras, exerce impacto doutrinário, de valores imprescindíveis para a construção da identidade umbandista.

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