A partir de hoje iniciaremos a publicação de alguns contos de ficção, onde a temática é Umbanda e atualidade.
Neste primeiro conto o assunto é a COVID-19.
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Manoel Lopes – São Vicente, 10/07/2020
— Olá! Como vai João da Porteira?
— Ôh! Sinhô! Eu vou bem, e o senhor?
—Ô sinhô tá de passagem, por esses lados?
— Sim, vim visitar meus parentes e quis dar uma olhada aqui na propriedade, que já foi dos meus avós.
— Lembro bem do coronel, seu avô. Era um homem  muito sério e honrado.
— A mangueira continua bonita, grande e vistosa. Ela ainda dá frutos, João?
—Dá sim, o pessoal ainda colhe muitos frutos daquele pé. Vamos ter uma prosa na sombra dela.
-Vamos até lá João.
E seguimos até aquela mangueira enorme, tenho a lembrança que ela já era enorme quando eu ainda era uma criança.
Bem embaixo dela, havia um banco de madeira, bem rústico, que era formado de uma taboa apoiada sobre dois troncos.
As pessoas da região costumavam sentar ali para conversar, tomar um lanche ou para pensar na vida olhando aquela paisagem que desaparecia no horizonte.
Sentamos no banco, eu e o João da porteira.
—Sabe sinhô, eu ando muito preocupado ultimamente.
— É? Porque João? O que aconteceu?
—É este bicho danado, este vírus que tá matando o povo senhor.
—É uma pandemia João, é no mundo todo. Por enquanto não tem cura, é preciso ficar em casa isolado, e quando estiver conversando manter uma boa distância, como nós estamos fazendo agora.
Eu estava sentado na beira do banco e o João na outra extremidade.
— É, sim! Eu sei, mas o que me perturba a alma é outra coisa.
— Então me fala!
—O sinhô sabe que sou espírita, e que frequento a casa da vó Sebastiana, aquela benzedeira que mora lá no bairro da encruzilhada.
— Eu sei, inclusive já tive oportunidade de ir até lá para ela me benzer e tive oportunidade de assistir alguns trabalhos espirituais também.
— Pois é! No último trabalho, do ano passado, veio o Guardião Zé dos Caminhos e ele falou uma coisa que deixou o povo bem preocupado.
— Então, me diga João. O que foi que ele falou?
— Eu sei que o senhor entende destas coisas, que é uma pessoa esclarecida, letrada e é por isso que confio ao senhor estas palavras.
— Pode falar João.
— Então, na última Gira, o Guardião da Dona Sebastiana veio para comandar os trabalhos de atendimento e demanda, e conforme a hora ia passando, no transcorrer dos atendimentos ele teve um minuto de prosa com todos nós…
— Sim.
— Aí, ele com aquele jeitão debochado, disse que todos nós devíamos nos preparar para o pior, que a peste estava chegando. E olha sinhô, que naquela época ninguém ainda falava deste vírus aqui por estas bandas.
— Sei, e que mais ele falou?
— Falou que neste ano de dois mil e vinte, do ano de nosso senhor Jesus Cristo, seria um ano de mudanças profundas para todo o planeta.
— Seria o ano que a Virgem Maria e todas as forças espirituais estavam limpando o planeta de todo o mal existente.
— Que a santa e todas as forças sagradas ligadas a elas, sejam elas da umbanda ou da igreja, estariam atuando sobre o povo da Terra. Que o amor entre as pessoas retornaria na sua forma mais pura, a valorização da família, dos filhos e as pessoas iriam buscar uma maneira mais simples de viver, sem tanta coisa material para se apegar e que muita gente iria procurar as religiões naturais e que todos estariam bastante preocupados com a vida e a natureza.
O João da Porteira começou a falar em disparada, eu procurei evitar ficar interrompendo e fiquei prestando a atenção.
Este homem do interior era muito simples, mas tinha um conhecimento muito grande sobre a natureza, as pessoas e a vida. Conversar com ele era muito agradável, ele passava uma pureza d’alma que não costumamos encontrar nas pessoas da cidade, além de uma simplicidade enorme, ao mesmo tempo mostrava uma sabedoria não encontrada nas pessoas com quem eu convivia no meu dia a dia.
Ele era muito franco e honesto. Era Umbandista de muita fé, como ele mesmo costumava falar. Dizia que nasceu e foi criado dentro de uma roça de candomblé.
O João sabia que eu também era um estudioso da Umbanda, mas brincava comigo, dizendo que a minha umbanda era umbanda de branco, muito fraquinha. Eu dava risada, e deixava-o falar. O João da porteira era mais que um amigo, era quase um membro da minha família, acredito que já estava chegando aos oitenta anos, ele tinha meu respeito.
Era um homem da roça, que nunca havia saído daquela cidade. Vivia falando que queria ser enterrado ali, onde nasceu, cresceu, viveu e trabalhou. Ele tinha um amor muito grande por aquela região.
Sua vida era cuidar da propriedade onde morava, visitar a cidade de vez em quando e frequentar o Terreiro da Vó Sebastiana, uma negra velha, filha de escravos, que sempre morou naquela região. Acredito que vó Sebastiana devia ter mais de noventa anos de idade.
Dona Sebastiana morava numa casinha, muito simples, caiada, toda suja de terra vermelha, tinha no máximo quatro cômodos. Na porta principal, que ficava sempre aberta, tinha uma cerquinha pintada de verde, que ficava sempre fechada, para a criação não entrar na casa.
Ao lado daquela humilde casa tinha um galinheiro e no fundo do terreno tinha uma construção, que era o terreiro de umbanda, onde ela atendia as pessoas que iam buscar algum tipo de ajuda espiritual.
Dona Sebastiana vivia sozinha, não tinha filhos, mas a casa estava sempre cheia, todo dia recebia alguma visita, dos conhecidos e amigos, que sempre levavam alguma coisa para ela. As pessoas da região sabiam das necessidades daquela senhora e procuravam ajudar de alguma forma.
Às vezes eu me questionava como que um homem tão simples, como o João da Porteira, podia saber de tanta coisa, sem nunca ter deixado aquela região, de onde vinha todo aquele conhecimento?
O João estava entusiasmado contando o ocorrido no terreiro da Dona Sebastiana.
— Então sinhô, o Guardião Zé dos Caminhos, falou que uma multidão de espíritos bons, todos comandados pelas santas, por Maria mãe de Jesus e por Iemanjá estariam cuidando do nosso planeta pelos próximos dez anos.
— Disse mais! Disse que havia muito anos, milhares de anos, que isso não acontecia e que este momento era muito aguardado por toda espiritualidade que habitava nosso planeta.
— É como se fosse um marco na história do planeta, um mundo novo começando e sobre as bênçãos de Maria, mãe de Jesus, acompanhada por Iemanjá, Oxum, Nanã e por todo o povo que trabalhava na irradiação das águas e das sagradas mães espirituais.
Neste momento que a conversa estava ficando boa, eu estava muito curioso querendo saber o que tudo isso tinha haver com a pandemia da COVID, um homem se aproxima e me avisa que estavam me chamando com certa urgência.
— João, eu preciso ir, mas quero saber mais sobre esta história.
— Com certeza, se o sinhô quiser amanhã continuo a contar o que o Guardião Zé da Estrada falou.
— Quero sim! Até amanhã!
— Inté!!
São Vicente, 08/07/2020