A HABILIDADE E A COMPETÊNCIA ESPIRITUAL
Dalmo Duque dos Santos
“Estamos em guerra, não há dúvida (...) Refiro-me
à guerra cotidiana, essa que pelejamos mal começa o dia. Guerra não declarada,
não percebida pela maioria – mas guerra de fato (...) É a guerra do leite, da
carne, do pão, da manteiga, do emprego, do amigo, do inimigo, do lotação, do
trem , do elevador. Batalhas tachistas, indeterminadas e sinuosas. Não obstante,
duras.” – Ferreira Gullar – in “O Menino e
o arco-íris”
O exercício moral está para o espírito assim como o
exercício físico está para o corpo. O exercício fortalece o corpo e dá a ele
maior resistência ao cansaço e esgotamento gerados pelos esforços desgastantes.
Já o exercício moral fortalece o espírito, dando ao mesmo maior resistência ao
desânimo, à desesperança e desencantos causados tanto pelas decepções e
fracassos corriqueiros do dia-a-dia, quanto nas grandes provações da existência.
O exercício físico transforma o corpo numa ferramenta precisa, que obedece com
sincronia elétrica ao comando do cérebro. O exercício moral também transforma
faculdades mentais do espírito em instrumentos de alta precisão psíquica, sob
controle da força de vontade e da espontaneidade das atitudes nobres. O primeiro
integra o ser nos ambientes externos, onde sofre e resiste aos obstáculos e
limites biológicos dos planos objetivos da matéria. O segundo integra o ser no
seu ambiente interno, onde ele também sofre e resiste aos obstáculos e
adversidades psicológicas, no plano subjetivo.
É verdade antiga e notória que o aperfeiçoamento do corpo
físico fortalece o espírito, assim como o aperfeiçoamento mental reflete no
corpo físico, em forma de força e resistência. Mas, apesar dessa admirável
reciprocidade, a questão que nos parece essencial é que o corpo físico é sempre
efêmero, transitório, um meio instrumental, enquanto o espírito é imortal,
eterno e de finalidade evolutiva permanente. Um morre, em espiral regressiva, e
se transforma nos elementos da sua origem material. O outro sobrevive e também
se transforma, em espiral progressiva, retornando ao convívio das suas origens
espirituais.
Então, na experiência existencial, o produto dessa
integração corpo-espírito é que o espírito sempre colhe os melhores resultados
dos esforços despendidos durante as provas. O produto do esforço físico termina
no túmulo, se dele o espírito não souber subtrair dividendos psicológicos
positivos. Já o produto do esforço espiritual supera a escuridão do túmulo e da
consciência e penetra nos ambientes cada vez mais iluminados e perfeitos do
universo metafísico, onde o corpo físico e suas sensações grosseiras e
exteriores não possuem nenhuma utilidade. Nesses planos sutis o ser realiza
experiências através dos sentidos interiores – a emoção equilibrada, a intuição,
a clarividência – e muitas outras percepções ainda desconhecidas nos mundos
físicos.
As faculdades psíquicas de alta precisão e percepção,
típicas das inteligências superiores, somente são desenvolvidas através das
experiências morais probatórias, pelo despertamento consciencial. Nelas o
espírito, por vontade própria ou por imposição expiatória, se envolve em
situações críticas, de alto risco existencial, porém de alta potencialidade
ressurreicional. Nessas circunstâncias, não bastam, portanto, o uso das
inteligências lógicas, mas sim das capacidades psicológicas, de habilidades
emocionais, geralmente adquiridas nos momentos de graves decisões e escolhas
delicadas. Essa inteligência superior, além dos limites da razão e maturada pelo
sofrimento em mundos inferiores, está sintetizada na lei do livre arbítrio e no
aforismo “a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória”. Quem
desconhece esse aspecto da educação metafísica não consegue compreender nem
aceitar as provas, o sofrimento, a resignação e a humildade como poderosos
fatores de inteligência e evolução espiritual. São esses os famosos tesouros que
não enferrujam e que a traça não destrói. Este é o significado central da lição
das bem-aventuranças ensinadas por todos os grandes educadores do espírito,
iniciados na pedagogia cósmica e intuídos pela Consciência
Universal.
Nas aparências exteriores, esses discursos crísticos e
redentores – sempre vivenciais, exemplificados com atitudes – se mostram num
primeiro momento, aos olhos comuns, como absurdos e contraditórios, pois que
estão sendo observados somente pela ótica racional biológica. Mas, na
perspectiva psicológica espiritual, essa aparência exterior se transmuta numa
verdade na absurda e contraditória, revelando as nuances do percurso entre a
imperfeição e a perfeição relativa da experiência existencial; e depois desse
primeiro estágio, o novo percurso entre a perfeição relativa e a perfeição
absoluta, busca constante e infindável do nosso destino espiritual, sempre de
acordo com o nosso esforço e merecimento.
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