domingo, 29 de janeiro de 2012


A HABILIDADE E A COMPETÊNCIA ESPIRITUAL

Dalmo Duque dos Santos
“Estamos em guerra, não há dúvida (...) Refiro-me à guerra cotidiana, essa que pelejamos mal começa o dia. Guerra não declarada, não percebida pela maioria – mas guerra de fato (...) É a guerra do leite, da carne, do pão, da manteiga, do emprego, do amigo, do inimigo, do lotação, do trem , do elevador. Batalhas tachistas, indeterminadas e sinuosas. Não obstante, duras.”Ferreira Gullar – in “O Menino e o arco-íris
O exercício moral está para o espírito assim como o exercício físico está para o corpo. O exercício fortalece o corpo e dá a ele maior resistência ao cansaço e esgotamento gerados pelos esforços desgastantes. Já o exercício moral fortalece o espírito, dando ao mesmo maior resistência ao desânimo, à desesperança e desencantos causados tanto pelas decepções e fracassos corriqueiros do dia-a-dia, quanto nas grandes provações da existência. O exercício físico transforma o corpo numa ferramenta precisa, que obedece com sincronia elétrica ao comando do cérebro. O exercício moral também transforma faculdades mentais do espírito em instrumentos de alta precisão psíquica, sob controle da força de vontade e da espontaneidade das atitudes nobres. O primeiro integra o ser nos ambientes externos, onde sofre e resiste aos obstáculos e limites biológicos dos planos objetivos da matéria. O segundo integra o ser no seu ambiente interno, onde ele também sofre e resiste aos obstáculos e adversidades psicológicas, no plano subjetivo.
É verdade antiga e notória que o aperfeiçoamento do corpo físico fortalece o espírito, assim como o aperfeiçoamento mental reflete no corpo físico, em forma de força e resistência. Mas, apesar dessa admirável reciprocidade, a questão que nos parece essencial é que o corpo físico é sempre efêmero, transitório, um meio instrumental, enquanto o espírito é imortal, eterno e de finalidade evolutiva permanente. Um morre, em espiral regressiva, e se transforma nos elementos da sua origem material. O outro sobrevive e também se transforma, em espiral progressiva, retornando ao convívio das suas origens espirituais.
Então, na experiência existencial, o produto dessa integração corpo-espírito é que o espírito sempre colhe os melhores resultados dos esforços despendidos durante as provas. O produto do esforço físico termina no túmulo, se dele o espírito não souber subtrair dividendos psicológicos positivos. Já o produto do esforço espiritual supera a escuridão do túmulo e da consciência e penetra nos ambientes cada vez mais iluminados e perfeitos do universo metafísico, onde o corpo físico e suas sensações grosseiras e exteriores não possuem nenhuma utilidade. Nesses planos sutis o ser realiza experiências através dos sentidos interiores – a emoção equilibrada, a intuição, a clarividência – e muitas outras percepções ainda desconhecidas nos mundos físicos.
As faculdades psíquicas de alta precisão e percepção, típicas das inteligências superiores, somente são desenvolvidas através das experiências morais probatórias, pelo despertamento consciencial. Nelas o espírito, por vontade própria ou por imposição expiatória, se envolve em situações críticas, de alto risco existencial, porém de alta potencialidade ressurreicional. Nessas circunstâncias, não bastam, portanto, o uso das inteligências lógicas, mas sim das capacidades psicológicas, de habilidades emocionais, geralmente adquiridas nos momentos de graves decisões e escolhas delicadas. Essa inteligência superior, além dos limites da razão e maturada pelo sofrimento em mundos inferiores, está sintetizada na lei do livre arbítrio e no aforismo “a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória”. Quem desconhece esse aspecto da educação metafísica não consegue compreender nem aceitar as provas, o sofrimento, a resignação e a humildade como poderosos fatores de inteligência e evolução espiritual. São esses os famosos tesouros que não enferrujam e que a traça não destrói. Este é o significado central da lição das bem-aventuranças ensinadas por todos os grandes educadores do espírito, iniciados na pedagogia cósmica e intuídos pela Consciência Universal.
Nas aparências exteriores, esses discursos crísticos e redentores – sempre vivenciais, exemplificados com atitudes – se mostram num primeiro momento, aos olhos comuns, como absurdos e contraditórios, pois que estão sendo observados somente pela ótica racional biológica. Mas, na perspectiva psicológica espiritual, essa aparência exterior se transmuta numa verdade na absurda e contraditória, revelando as nuances do percurso entre a imperfeição e a perfeição relativa da experiência existencial; e depois desse primeiro estágio, o novo percurso entre a perfeição relativa e a perfeição absoluta, busca constante e infindável do nosso destino espiritual, sempre de acordo com o nosso esforço e merecimento.

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