HIERARQUIZAÇÃO DA MENTE
Nubor Orlando
Facure
A expressão “Sistema
Nervoso” é muito adequada para se referir a um conjunto extraordinário de
elementos anatômicos que formam o nosso cérebro e toda estrutura subjacente a
ele, como o cerebelo, o tronco cerebral, a medula espinhal e os nervos. Nos dias
de hoje, compreendemos as funções cerebrais organizadas em módulos, que estão
interligados em uma associação, tanto anatômica como funcional, para desempenho
destas funções. Esta organização modular permite identificar com clareza os
sistemas motores como o piramidal, o extra-piramidal e o periférico, os sistemas
sensitivos superficiais e profundos e todo um conjunto de sistemas sensoriais
como o visual, o auditivo e o tátil.
Não é nova a idéia de
que as funções do sistema nervoso estão organizadas obedecendo a uma disposição
hierarquizada, na qual certas funções são ditas superiores e outras, inferiores
ou intermediárias. No decurso da evolução, o aparecimento de estruturas mais
novas não levou à perda das antigas. As estruturas recém adquiridas passaram a
exercer um domínio funcional permanente sobre as mais antigas ou arcaicas. Dizem
os especialistas que “é impreciso denominar uma espécie ou um táxon de
primitivo ou derivado porque todos os organismos são um mosaico de caracteres
primitivos e derivados”. “O caráter primitivo não é inferior ou necessariamente
pouco adaptativo, ele é simplesmente o mais antigo”. “Um caráter primitivo ou
derivado, que executem a mesma função, só que o derivado realiza de modo mais
suficiente, o derivado deverá substituir o caráter primitivo através da
competição entre as populações”.
Diversos autores
focalizaram a organização hierarquizada tanto para as funções mentais como para
as disposições anatômicas e fisiológicas do cérebro. O desenvolvimento da
criança com as aquisições de suas aptidões para andar ou falar, são
demonstrações eloqüentes desta disposição hierarquizada. Os gestos infantis são
de início impregnados de uma atividade puramente instintiva, reflexa e, aos
poucos, o aprendizado vai acrescentando uma disposição racional e complexa que
passa a controlar e submeter os comportamentos instintivos.
A
Hierarquia Motora.
O sistema nervoso nos
permite realizar um extenso repertório de gestos motores. O ato de erguer o
corpo e trocar os passos para caminhar, estender as mãos para pegar um objeto,
gesticular enquanto conversamos, dar um impulso para percorrer as ruas com um
patinete, são exemplos de modalidades motoras mais ou menos
sofisticadas.
Podemos distinguir
nesta atividade três níveis de complexidade: a atividade motora reflexa, a
automática e a voluntária, que vamos exemplificar a seguir:
Os reflexos motores são
respostas que o sistema nervoso dá utilizando-se de músculos que foram
estimulados a partir de um circuito com a via sensitiva. Os músculos palpebrais,
por exemplo, se contraem numa piscadela quando um estímulo sensitivo, provocado
por um cisco, nos toca a córnea.
Todo mundo reconhece o
reflexo patelar quando o neurologista percute seu tendão no joelho, provocando
uma extensão rápida da perna. Nós temos exemplos de reflexos muito simples como
o de tossir quando uma casca de pão nos atinge a traquéia e reflexos de
integração mais complexa, envolvendo vários circuitos neuronais, como o de rodar
a cabeça e os olhos quando um estampido de fogos de artifício nos chama a
atenção.
A atividade automática
pode ser visível no decorrer da marcha quando vamos trocando os passos
sucessivamente sem nos apercebermos. O ato de mastigar, deglutir, gesticular
durante uma conversa, são todos atos automáticos que executamos, quase sempre
sem perceber, no decorrer de toda nossa vida. Alguns automatismos são mais
complexos e exigem um aprendizado prévio como, por exemplo, a capacidade para
nadar, andar de bicicleta, dirigir um automóvel, ou dedilhar um piano com
agilidade.
O ato voluntário é a
atividade motora mais típica. Ele se realiza às custas dos neurônios gigantes (
células de Betzs) distribuídos no giro central ( motor) do lobo frontal e se
expressa a partir da iniciativa do indivíduo, caracterizando-se por uma
determinada intencionalidade. O gesto voluntário, quase sempre, revela um
propósito ou um simbolismo, implícito no gesto.
O animal que ergue o
seu corpo e começa a andar, tomou iniciativas voluntárias. A criança que joga
uma pedra, que abre as páginas de uma revista, que corta um pedaço de bolo ou
que espeta um coleguinha com o lápis, está revelando o uso do seu desempenho
motor voluntário.]
Hughlings
Jackson. Uma Visão Neurológica.
H. Jackson (1835-1911)
nasceu na Inglaterra e trabalhou como neurologista no famoso National Hospital
Queen’Square em Londres. Seu espírito de observação clínica foi tão
extraordinário que nos faz pensar que ele nasceu muito adiante dos homens do seu
século. Ele publicou cerca de 300 trabalhos expondo conceitos neurológicos
precisos numa época em que nem o neurônio e nem a atividade elétrica cerebral
eram conhecidos
Jackson, descreveu uma
forma clínica de crise epiléptica focal na qual ocorre uma seqüência de
contrações motoras que se iniciam na mão, sobe pelo braço, atinge a face e se
propaga por toda uma metade do corpo. Nesta crise, hoje chamada de Jacksoniana,
não ocorre a perda da consciência. Suas observações minuciosas foram feitas
assistindo sua mulher que era portadora deste tipo de epilepsia. As crises têm
origem a partir da região motora do lobo frontal e isto pode ser comprovado
pelo próprio Jackson quando a sua esposa faleceu.
Analisando as
manifestações clínicas de pacientes portadores de lesões nas regiões motoras do
cérebro e de suas vias que se estendem pelo tronco cerebral até atingirem a
medula espinhal, Jackson, elaborou o conceito de hierarquização da atividade
motora. Ele afirmava que a lesão num determinado nível produziria a liberação
das expressões motoras nos níveis abaixo da lesão. Consequentemente, uma lesão
no cérebro, na região motora, levava a uma paralisia voluntária nos membros do
lado oposto e, em contra partida, toda a atividade reflexa se exacerbava nestes
membros paralisados. É a “exaltação dos reflexos”, que se comprova facilmente
no exame neurológico destes pacientes.
Esta proposição de
Jackson, em que ele sugere uma hierarquização funcional no sistema nervoso, é
evidente quando se analisa a atividade motora voluntária, executada pelo sistema
piramidal, a atividade automática, processada no sistema extra-piramidal e a
reflexa que se expressa no sistema periférico.
Os reflexos musculares
integrados a nível periférico, ficam liberados, o que quer dizer, exaltados,
quando ocorre uma lesão que afeta as estruturas superiores dos sistemas
piramidal e extra-piramidal.
O final de século
vivido por Jackson, ainda mantinha viva uma sociedade organizada numa
distribuição de poderes entre a nobreza e as demais forças políticas,
refletindo, naturalmente, numa população carente de segurança e conforto para
suas vidas.
Ocorrendo uma
perturbação que desequilibrava essas forças políticas, as classes inferiores, se
exaltavam, pondo à mostras suas maiores reivindicações. Este quadro social
inspirou Jackson quando elaborou os princípios da disposição hierarquizada do
sistema nervoso e o fenômeno da “liberação piramidal”.
Jackson via a
organização hierárquica do sistema nervoso, expressa muito claramente nos três
níveis da atividade motora: a voluntária, a automática e a reflexa. As lesões
num dos níveis superiores produziam sua paralisia e facilitava a liberação das
atividades inferiores exaltando os reflexos.
A Expansão
Anatômica.
Desde o aparecimento
das primeiras formas animais até o desenvolvimento do cérebro humano, o mesmo
neurônio tem sido empregado como meio de contato e comunicação com o meio
externo e, da mesma forma, na organização da integridade e do equilíbrio do
indivíduo com seu meio interno.
Estudando os vegetais,
podemos confirmar, facilmente, uma certa “sensibilidade” de natureza química.
Com o aparecimento dos animais, no decurso da evolução, podemos constatar que a
partir dos cnidários ( água-viva, corais e anêmonas) uma determinada célula ( o
neurônio) se especializou para receber informações do meio ambiente e provocar
uma reação a este estímulo.
As reações químicas,
foram os primeiros meios de contato entre estas células e o exterior e, só
quando o neurônio organizou suas primeiras ramificações, foi possível o
aparecimento de uma corrente elétrica baseada na despolarização. Criou-se uma
troca de cargas iônicas em relação a membrana dos neurônios, pela qual, o sódio
e o potássio fazem correr uma corrente elétrica de uma ponto ao outro do
neurônio.
No início, a corrente iônica seguia uma trajetória de mão dupla para, posteriormente, esta corrente passar a ser uni-direcional, levando o estímulo do interior do corpo celular para as extremidades das fibras.
A corrente elétrica
serviu para dar rapidez e direção ao estímulo nervoso, mas ela não excluiu a
comunicação química que foi preservada ao nível das sinapses, nas extremidades
dos neurônios. As substâncias químicas continuaram servindo para difundir e
modular a estimulação nervosa. Os neurotransmissores que povoam as fendas
sinápticas confirmam a importância das reações químicas nos processos de
comunicação entre as células.
Seriam inúmeros os
exemplos que poderíamos dar comprovando que aqueles primeiros estímulos
químicos, que afetavam as células dos animais unicelulares do passado remoto,
persistem até hoje, em praticamente toda fisiologia de comunicação celular, nas
mais variadas espécies de animais e até mesmo dentro de órgãos com a enorme
complexidade dos seres humanos. O gosto que nos estimula a ponta da língua
denuncia esta química que persiste em nós até hoje. A planta que se vê agredida
pela lagarta que devora suas folhas, libera substâncias venenosas que serão
incorporadas ao corpo das borboletas, que as utiliza para repelir predadores. O
feromônio liberado por libélulas permite ao macho que localize uma fêmea pela
presença de uma única molécula deste feromônio diluída em milhares de litros de
ar. A cocaína é capaz de provocar uma reação cerebral violenta cinco segundo
depois de ser injetada na veia. Os gatinhos que minha esposa gosta de pegar no
colo, esfregam o nariz no seu rosto como se a estivessem acariciando. São
glândulas que eles tem na face que marcam com seu cheiro o contato entre os
dois.
A Rede de
Neurônios.
As células nervosas
cresceram de maneira dispersa no corpo dos primeiros animais. Com o
desenvolvimento progressivo e a especialização de determinadas áreas, os
neurônios passaram a obedecer a uma sistemática de distribuição. Foi preciso
criar neurônios para a visão, para o tato e para a locomoção. Como era
necessário receber os estímulos do exterior e organizar as respostas mais
adequadas, um grupo de neurônios se destacava da superfície externa e se
agrupava formando os primeiros “gânglios”. Dá-se início ao processo de
“cefalização”. Esta centralização do sistema nervoso e o desenvolvimento dos
órgãos receptores na região anterior do corpo ( a cabeça) estão principalmente
relacionados com a locomoção e a bilateralidade (distribuição bilateral e
simétrica dos vários órgãos do animal).
Sendo a boca do animal
um dos órgãos de maior contato com o exterior e desempenhando uma atividade
intensa para recolher e absorver os alimentos, um número maior de “gânglios” se
organizou nas proximidades do segmento cefálico do animal, principalmente em
volta da boca. Com a expansão do esôfago e de todo tubo digestivo, ocorreu um
deslocamento dos gânglios cefálicos para a parte dorsal do animal. Ficavam
assim, constituídos, os primeiros gânglios que dariam início ao aparecimento do
proto-cérebro e toda cadeia ganglionar que formaria o cerebelo, o tronco
cerebral e a espinha.
Na minhoca, por
exemplo, podemos ver claramente essa organização que concentra gânglios dorsais
no segmento cefálico e distribui gânglios menores pelos anéis no corpo do
animal, ao longo de cordões nervosos ventrais. Mesmo se cortarmos seus gânglios
cefálicos, a minhoca continuará se movimentando às custas da cadeia ganglionar
de cada um dos seus segmentos anelares, mas, se tornará lenta e com dificuldade
para escavar a terra.
A necessidade de manter
um equilíbrio perfeito, desenvolveu de forma exuberante o cerebelo,
principalmente nas aves que tem de usar as asas para voar e nos peixes que tem
que se deslocar com as nadadeiras. A cobra que apenas se arrasta tem um cerebelo
rudimentar. Os anfíbios, a lampreia e o peixe bruxa, também tem um cerebelo de
pequena expressão.
No bagre e outros
peixes é bem desenvolvido o bulbo ( medula oblonga), por terem concentrados,
nesta região, os neurônios relacionados com os corpúsculos gustativos que os
bagres tem distribuídos por todo seu corpo. A partir dos mamíferos, estes
corpúsculos passam a se localizar apenas na língua ocorrendo uma redução no
tamanho do bulbo permitindo a expansão do cerebelo.
A região olfatória
desenvolveu o rinencéfalo na base do lobo frontal. A codificação dos odores, foi
fundamental para o animal poder localizar seu alimento, sua parceira ou seus
inimigos. Em mamíferos de vida aquática como os golfinhos, as áreas relacionadas
com o olfato se atrofiaram e, no homem, elas perderam importância para áreas
sensoriais de maior utilização como a visual e a auditiva.
Os tálamos
ópticos são exuberantes nos animais de vida noturna.
A pineal é muito grande
no pingüim, na ema, no leão marinho e nas focas. Ela é saliente e exteriorizada
para fora do crânio em alguns tipos de lagartos. É pequena em corujas, gambás,
musaranho e morcegos, ao passo que não existe no crocodilo, no peixe-bruxa, no
tatu, nas preguiças e no tamanduá.
O sistema límbico, que
hoje se relaciona com o cérebro emocional, começou a se expandir nos “mamíferos
inferiores” ( expressão imprópria usada por Mac Lean, que vamos comentar mais
adiante).
O neo-cortex
corresponde às últimas aquisições do sistema nervoso. Ele se organizou formando
as grandes circunvoluções do manto cerebral que é muito expressivo no chimpanzé
e ganha dimensão extraordinária no cérebro humano.
Os neurônios primitivos
tinham um número limitado de dendritos mas, a medida que a atividade do animal
se sofisticava, a arborização destes contatos se multiplicava. Hoje se aceita
que cada neurônio no cérebro humano estabelece de cinco a dez mil ligações com
dendritos de células vizinhas. Há uma relação direta entre o número de neurônios
e a capacidade funcional apresentada pelo animal. Um molusco como a Aplísia tem
de 20 à 100 mil neurônios, a Drosófila, apesar do seu diminuto tamanho, tem
cerca de 300 mil neurônios, que lhe permite andar sobre uma banana, depois de
enxergá-la, detectá-la pelo cheiro e sobrevoar seus arredores e ainda fazer a
corte do acasalamento. O polvo é entre os invertebrados o que tem maior número
de neurônios - chegam a 170 milhões- o que lhes permite aprender a executar
determinadas tarefas organizadas. Ainda não existe experimentos que consigam
demonstrar que a Drosófila é capaz de aprender uma atividade nova, criada em
laboratório.
Nada é , porém, mais
extraordinário que os 16 bilhões de neurônios do cérebro humano. Eles se
localizam com precisão em cada ponto a que se destinam na intricada rede da
fisiologia cerebral. Além de um determinismo genético, existem fatores
neurotróficos que com seus atrativos químicos conduzem cada neurônio para seu
lugar. A medida que a criança vai sendo estimulada após o nascimento, os
neurônios vão reorganizando as ligações sinápticas, fazendo despencarem milhões
de ligações que não são utilizadas e reforçando outras tantas que aos milhões,
também, se estabelecem com o novo aprendizado. Existem evidências experimentais
que comprovam que as redes neurais são programadas geneticamente em seus módulos
fundamentais e reforçadas pela experiência com que a atividade cerebral for
empenhada. Quanto mais estímulos for oferecido, maior será a diversificação e o
reforço das sinapses.
Os Módulos
Funcionais
Ao nível do córtex
cerebral podemos identificar áreas relacionadas com a atividade motora, com as
percepções sensitivas, com a linguagem falada, com a compreensão da palavra, com
a percepção visual, com a organização de programas motores complexos que nos
permitem, por exemplo, vestir e abotoar a camisa ou retirar um cigarro,
acendê-lo na boca e soprar uma baforada de fumaça no ar.
O estudo destas
atividades cerebrais de nível superior iniciou-se após a apresentação histórica
de Paul Broca que, em 1861, demonstrou que uma lesão na região frontal inferior
esquerda era responsável pela perda da expressão da fala. A partir daí, a idéia
localizacionista para as funções cerebrais caminhou rapidamente, descobrindo as
relações funcionais com as diversas áreas do córtex cerebral.
Esta visão segmentar
pela qual cada função teria uma região cerebral para executá-la, foi substituída
por uma interpretação integracionista pela qual as funções estariam distribuídas
em módulos que se interpenetram e associam.
Aleksandr
Romanovich Luria. Uma visão neuropsicológica.
Luria (1903-1978) é
considerado por alguns como o expoente máximo da neuropsicologia do século
passado. Ele estudou pacientes com perda da linguagem por trauma craniano
provocado por ferimentos de guerra. Ao invés de considerar o cérebro como uma
entidade única, postulava que o cérebro em funcionamento era na verdade “um
sistema funcional complexo”, que abrange diferentes níveis e diferentes
componentes, cada um dos quais oferecendo a sua contribuição própria para a
estrutura final da atividade mental.
Na interpretação de
Luria, “os processos mentais humanos são sistemas funcionais complexos e não
estão “localizados” em estreitas e circunscritas áreas do cérebro, mas ocorrem
por meio da participação de grupos de estruturas cerebrais operando em concerto,
cada uma das quais concorre com a sua própria contribuição particular para a
organização desse sistema funcional”. Resulta deste pensamento que “uma questão
essencial deve ser descobrir as unidades funcionais básicas de que é composto o
cérebro humano e o papel desempenhado por elas em formas complexas de atividade
mental".
Luria sugeriu que “há
bases sólidas para se discernir as três unidades cerebrais funcionais, cuja
participação se torna necessária para qualquer tipo de atividade mental”. Ele
considerou estas três unidades funcionais:
1 – Unidade
para regular o tônus, a vigília e os estados mentais.
2 - Unidade
para receber, analisar e armazenar informações.
3 - Unidade
para programar, regular e verificar a atividade.
Cada uma dessas
unidades básicas exibe ela própria uma “estrutura hierarquizada” que consiste no
envolvimento de pelo menos três zonas cerebrais construídas umas acima da outra.
Seriam as áreas primárias (de projeção) que recebem impulsos da periferia ou os
enviam para ela; as secundárias (de projeção – associação), onde informações que
chegam são processadas, e, finalmente, as zonas terciárias (zonas de
superposição) constituídas pelos últimos sistemas dos hemisférios cerebrais a se
desenvolverem sendo responsáveis, no homem, pelas formas mais complexas de
atividade mental requerendo a participação em concerto de muitas áreas
corticais.
A Evolução do
Cérebro.
Os neurônios são
constituídos de um corpo celular e prolongamentos que se arborizam estabelecendo
relações uns com os outros e que no cérebro humano se contam aos
bilhões.
Chamam-se dendritos, os
prolongamentos que trazem impulsos em direção ao corpo celular e axônio, um
prolongamento geralmente extenso que leva o impulso elétrico a partir do corpo
celular para a sua extremidade sináptica.
Aos poucos, os
neurônios se especializaram em dois grupos. Os sensitivos, trazendo informações
sobre o que registravam no ambiente exterior e os motores, que processavam a
resposta adequada de aproximação ou retirada em relação ao estímulo
percebido.
Não apresentam sistema
nervoso: os protozoários e as esponjas, embora suas células demonstrem
claramente sua capacidade de reagir a estímulos externos com movimentação de
cílios. Os Cnidários ( corais, anêmonas, água- viva) apresentam um sistema
nervoso disperso formando uma rede difusa, o que está relacionado com o fato
destes animais possuírem simetria radial. Os Cnidários apresentam sinapses
polarizada, onde os impulsos caminham em qualquer direção porque os dois lados
dos seus processos neuronais podem liberar neurotransmissores.
O aprendizado obrigou o
sistema nervoso a acumular experiência e centralizar as decisões. O tipo mais
primitivo de sistema nervoso centralizado pode ter sido semelhante ao que vemos
hoje nos vermes achatados de vida livre como as planárias.
A atividade dos membros
e da boca que recebia o alimento e o preparava para a deglutição forçou a
concentração de neurônios em volta da região bucal dando início à
encefalização.
Em animais com simetria
radial como a anêmona do mar ou a estrela do mar, a distribuição dos neurônios
acompanha a circunferência da forma do animal de maneira simétrica e quase
sempre concêntrica, a partir do anel oral central (em volta da
boca).
Nos anelídeos, como a
minhoca, os gânglios nervosos se distribuem numa repetição sistemática em cada
segmento do animal. Mesmo assim, é possível se observar uma concentração
cefálica de um grupo maior de gânglios.
O aparecimento de
membros, como os que são vistos no caranguejo, forçou, também, a lateralização
das funções. Os gânglios nervosos já estavam seguindo uma distribuição simétrica
na região dorsal do animal, forçados pelo desenvolvimento do tubo esofágico que
dificultava seu crescimento na região ventral. Com o surgimento dos crustáceos,
a presença de membros à esquerda e a direita do animal, construiu uma
distribuição lateralizada dos neurônios, com uma forte tendência ao cruzamento
das fibras, fazendo com que as projeções celulares de um lado se ocupassem com
as funções executadas no hemicorpo do lado oposto. Esta lateralização é
facilmente constatada no cérebro humano onde se nota que a mão direita é
movimentada pelos neurônios motores do hemisfério esquerdo e a linguagem falada
se situou marcadamente no lado esquerdo do cérebro.
A estrutura primitiva
dos gânglios, distribuídos ao longo da cadeia de anéis do verme que se arrastava
no chão, sofreu expansão com os gânglios que se aglomeraram na extremidade
cefálica do animal. O aparecimento dos neurônios sensíveis à luz desenvolveu a
visão criando os tálamos ópticos e o córtex visual. O contato social
desenvolveu as relações entre os indivíduos despertando o aparecimento do
sistema límbico, depósito anatômico da atividade emocional. As experiências com
as mãos expandiram a área motora e, a gigantesca atividade gestual ligada ao
aprendizado, projetou para frente os lobos frontais, acrescentando ao animal, a
capacidade para raciocinar e desenvolver a inteligência.
Os Três
Cérebros de Mac Lean. Uma Visão Biológica.
A visão de Paul D. Mac
Lean é fundamentada nas aquisições produzidas pela evolução. Ele descreveu três
andares de atividades para o cérebro. No primeiro, seriam desenvolvidas as
atividades basais ligadas a sobrevivência como o controle da respiração, do
batimento cardíaco e de toda atividade visceral. É aqui que nascem os
comportamentos de agressão e de comportamento repetitivo, automatizado. Este
tipo de comportamento esboça as primeiras reações de ritualização, através do
qual o animal visa marcar posições hierárquicas no seu grupo e estabelecer seu
próprio espaço no seu ambiente ecológico, demarcando seu território. Aqui
acontecem as reações instintivas dos arcos reflexos e os comandos que
possibilitam algumas ações involuntárias indispensáveis à preservação da vida.
Anatomicamente corresponde às estruturas do tronco cerebral - o bulbo, a ponte e
o mesencéfalo - , do cerebelo, do globo pálido, que é o nosso gânglio da base
mais antigo e dos bulbos olfatórios. Este cérebro primitivo seria para Mac Lean
o equivalente ao cérebro reptiliano. O aparecimento dos bulbos olfativo e a
subsequente organização do córtex do rinencéfalo com quem está conectado,
possibilitou uma análise precisa dos estímulos olfativos e o aprimoramento das
respostas orientadas por estes odores, facilitando a aproximação, o ataque, a
fuga ou o acasalamento.
O segundo andar na
divisão de Mac Lean, corresponde ao cérebro dos “mamíferos inferiores” (
monotremados e placentários) como o ornitorrinco e o gambá . Nesses animais se
desenvolveu o cérebro emocional ou cérebro intermediário (o páleopálio formado
pelas estruturas límbicas) onde se localizam funções de interação social entre
os animais. Este sistema permite ao animal escolher entre o que lhe agrada ou
desagrada. Aqui se desabrocham os comportamentos afetivos como o que induz as
fêmeas a cuidarem atentamente de suas crias. Aparecem os comportamentos lúdicos,
principalmente entre os filhotes, que passam o tempo brincando e lutando entre
si. As situações emocionais vividas pelo animal já conseguem revelar sentimentos
que não aparecia nos repteis. O cérebro límbico permite aos mamíferos
expressarem medo, pavor, ira, afeição, tristeza e alegria.
Finalmente, o terceiro
andar, foi desenvolvido a partir dos “mamíferos superiores” (placentários) até
aos primatas. É formado pelas últimas aquisições do córtex cerebral - o
neocórtex - onde se processam funções cerebrais superiores ou racionais como,
por exemplo, a linguagem.
Mac Lean, interpreta
estes três cérebros como computadores biológicos que trabalham interconectados
entre si, mantendo, porem, suas peculiaridades próprias de inteligência,
subjetividade, sentido de tempo e espaço, memória, motricidade e outras funções
menos específicas. No decurso da evolução, parte das primitivas funções foram
sendo substituídas ou minimizadas. O sistema olfativo, de extrema importância no
cérebro reptiliano, ficou muito reduzido nos humanos, onde este sistema mantém
ligações apenas para a amígdala dos lobos temporais e para o córtex
entorrinal.
Como podemos perceber,
a hierarquia dos três cérebros proposta por Mac Lean, expressa uma subdivisão
tanto anatômica como funcional e dinâmica. O que freqüentemente tenho ouvido de
minha filha que é bióloga, é que esta separação entre mamíferos superiores ou
inferiores, é arbitrária e inconveniente, tendo em vista o que já sabemos hoje
sobre o comportamento animal.
A Evolução do
Comportamento.
A partir de reflexos
simples representando aproximação ou fuga, os animais unicelulares aprenderam a
sobreviver diante das hostilidades do ambiente. A medida que os reflexos
promoviam um comportamento mais sofisticado, o animal descobria que, pela sua
própria atividade, ele podia explorar o ambiente que o cerca, com a vantagem de
descobrir outras fontes de alimento.
Um reflexo mais
complexo pode ser visto numa lesma do mar - a Aplísia - que quando estimulada,
consegue abrir a boca para receber alimento e, quando se vê ameaçada, é capaz
de expelir uma tinta avermelhada que escurece o ambiente e lhe permite uma fuga
mais segura.
A repetição de reflexos
utilitários construiu uma constelação de respostas organizadas para aproximação
ou fuga, indispensáveis à sobrevivência do animal. Arquivados no
“proto-cérebro”, este repertório de reflexos aprendidos com o tempo, vieram a
constituir os instintos e, mais tarde, para cada experiência instintiva bem
sucedida, criou-se um conjunto de hábitos que passaram a caracterizar o estilo
de vida de cada espécie.
Os hábitos de caça
noturnos realizados por certas aves como a coruja ou as incursões dos morcegos
que também trabalham à noite, surgiram de necessidades instintivas ligadas a
procura do alimento em condições vantajosas e mais seguras em relação às suas
presas. As variações climáticas impuseram a certos esquilos a necessidade de
armazenar no verão o que vão consumir no inverno. Instintos e hábitos
organizaram sociedades hierarquizadas como das abelhas e das
formigas.
Os comportamentos
instintivos e os hábitos adquiridos com o aprendizado condicionaram, também,
as relações de acasalamento. Milhares de experiências para fazer a corte, iam
aos poucos sendo fixadas nos genes de todas as espécies. Foi entre os animais
que esta parceria sexual assumiu uma diversidade espantosa. É por isso que
migram as aves atravessando continentes, sobem, por extensas corredeiras, os
gigantescos cardumes de peixes, as baleias percorrem centenas de milhas no mar
e os homens escreveram os mais belos romances sobre sua paixão por uma
mulher.
Os instintos e os
hábitos estabeleceram regras de sobrevivência fazendo os flamingos construírem
seus ninhos nas copas de árvores, o João de Barro fortificar sua construção de
terra batida e o castor amontoar os galhos que edificam seus
diques.
Instintos,
Hábitos e Mudanças de Comportamento.
Instintos e hábitos
sedimentaram condutas que permitiram a um sem número de espécies sobreviverem
por milhares de anos sem grandes mudanças. O rato, a barata e as abelhas
desenvolvem os mesmos rituais de alimentação e sobrevivência bem antes do
aparecimento do Homem na Terra.
Com as grandes mudança
ocorridas no ambiente do nosso planeta, foi necessário prosseguir na evolução
por conta de novos métodos de sobrevivência e reprodução. Os instintos e os
hábitos, acrescentaram mais complexidade ao cérebro. Foi acumulando neurônios ao
nível dos “núcleos da base”, na intimidade do cérebro, que, espécies mais
diferenciadas, fazerem aprendizados cada vez mais exigentes. Um gesto novo
aprendido, sedimentava um ritual motor que se automatizava em um novo
comportamento. O próprio meio ambiente forçou inúmeras mudanças de hábitos e
este aprendizado acrescentou automatismos cada vez mais complexos.
As mudanças climáticas
na Terra mudaram a vegetação e os nossos ancestrais que viviam no topo das
árvores, comendo folhas e frutos, foram obrigados a descer. Pisando a terra,
retirando as mãos do chão, erguendo a cabeça e se sustentando com os dois pés,
se viram obrigados a caminhar longas distâncias em busca de alimento, correndo
atrás de suas presas e erguendo as mãos para atirar pedras. Foram assim que
aprenderam a construir seus primeiros instrumentos que ampliaram suas
estratégias para conseguirem mais sucesso em suas disputas pela caça ou pela
parceira. Esta foi a trajetória dos símios primitivos que desceram das árvores,
caminharam pelas savanas, agregaram-se em grupos, desenvolveram os hominídeos,
iniciaram a fala com seus grunhidos e transformaram-se no gênero Homo que nos
deu origem.
Convém observar que em
nenhum momento, os instintos e os hábitos primitivos foram abandonados. Houve
apenas uma substituição estratégica e aprimorada dos comportamentos. Qualquer
criança revela ainda no reflexo de sucção e de preensão plantar ou palmar que,
estes instintos, ainda nos acompanham. No indivíduo adulto eles estão
simplesmente sobrepostos por uma atividade mais sofisticada.
Por outro lado, em
determinadas situações que a natureza revela, pode ocorrer, com conseqüências
desastrosas para o animal, a “persistência” de comportamentos instintivos. Sem
correções adequadas, estes hábitos e instintos primitivos podem se revelar
fatais para o desenvolvimento da espécie. Isso quer dizer que, animais que até
hoje persistem num tipo de vida basicamente instintiva, correm o risco de
comprometerem sua sobrevivência exatamente pela falta de flexibilidade que seus
instintos impõem.
A
Inflexibilidade Robótica dos Instintos.
Uma conduta puramente
instintiva está cristalizada no comportamento de várias espécies e elas com
freqüência pagam um preço alto por não terem conseguido mudar suas estratégias.
São inúmeros os exemplos que a natureza nos fornece para demonstrar a
inflexibilidade dos instintos e a catástrofe que sua falta de estratégia para
mudanças pode desencadear.
As tartaruguinhas que
despontam nas areias da praia no raiar da madrugada, precisam das luzes das
estrelas mais baixas no horizonte para, instintivamente, se dirigirem até as
águas do mar, onde vão dar seqüência ao seu ciclo de vida. O mundo moderno,
encostando as cidades com suas luzes na beira da praia, faz com que estas
tartarugas se confundam e, ao invés de se orientarem pelas estrelas que brilham
no horizonte longínquo, se atraem pelas luzes da cidade com suas armadilhas
fatais.
As mariposas de hábitos
noturnos saem dos seus abrigos nas noites enluaradas e se orientam pela luz do
luar para conduzirem seu vôo. A luz acesa nos postes de rua as atraem com mais
força que o luar e, sob o efeito desta luz artificial, elas perdem, por
completo, seu sistema de orientação, vindo a se destruírem aos montes nos
pratos das lâmpadas.
Os mesmos peixes que
vemos correndo no mar atrás de cardumes que os alimentam, mordem a isca de metal
feita pelo pescador que cria a imagem de uma presa reluzente, que esconde o
anzol que condena o peixe à morte.
As abelhas se atraem em
direção ao pólen e não conseguem desviar de um punhadinho de milho triturado que
jogamos no chão. Elas ali permanecem perdendo tempo, enganadas pela semelhança
que a quirela tem com o pólen.
Os marrecos se iludem
com os apitos do caçador que lhes dá o tiro fatal.
A formiga leva para
casa o grãozinho que depois evapora o veneno que destroi sua
família.
A gansa choca junto com
os seus ovos uma bola de bilhar, de cor branca, que colocamos em seu
ninho.
As libélulas, com
freqüência, perdem seus ovos no capô de um carro que brilha, confundindo-as com
o reflexo das lagoas.
Certa ocasião
aproveitamos de uma galinha que chocava os seus ovos e, misturamos entre eles,
um ovo de uma marreca do nosso quintal. Quando nasceram, tanto os pintainhos
como o marrequinho, acompanhavam a galinha com os mesmos cuidados e apego. Certo
dia joguei de propósito o marrequinho nas águas do tanque onde seus verdadeiros
pais nadavam A nossa galinha entrou em desespero. Corria de um lado par o outro
sem se aperceber que, instintivamente, este seu falso filhote nadava com
absoluta segurança,
Por esses exemplos,
estamos percebendo que o instinto que protege, que garante a reprodução ou
facilita o alimento, pode significar um desastre as vezes fatal para o
animal.
As Funções
Superiores e o Psiquismo.
O olhar de um falcão, a
orientação espacial de um pombo e a audição de um cachorro tem precisão muitas
vezes mais apuradas que os mesmos sentidos no Homem. Não foram, porém, a agudez
das aptidões sensoriais que fizeram o diferencial entre as espécies, foi a
capacidade de aprimorar estratégias que facilitou o desenvolvimento da
inteligência nos animais.
O chimpanzé consegue se
utilizar de uma pedra para quebrar castanha e usa um pedaço de um galho qualquer
para espetar o cupinzeiro de onde saem apressadas as suas presas.
Um bando de raposas no
Ártico se dispersa quando percebe que o solo gelado está frágil, podendo
provocar sua queda na água gelada.
Numa espécie de
esquilo, um dos seus membros distrai a atenção de uma cobra, enquanto os seus
companheiros conseguem se esconderem numa toca que os protege.
Alguns roedores, que
vivem em bandos, escalam um dos seus membros para exercer o papel de vigia do
grupo, se expondo, propositadamente, ao ataque de gaviões. Esta estratégia
altruística, garante a alimentação ou a fuga do restante do grupo.
Alguns morcegos passam
várias noites sem conseguir sugar sangue de suas vítimas. Um de seus
companheiros que habita a mesma gruta, permite que este esfomeado se aproveite
de alguns bocados de sangue, que ele expele pela boca.
Os cimpanzés se
organizam ardilosamente em volta de um grupo rival para caçar os mais
frágeis.
A capacidade de se
reunir em uma sociedade organizada é surpreendente entra as abelhas, as formigas
e um bando de gorilas.
A evolução testou e
acumulou todas estas experiências que desenvolveram os automatismos complexos, o
discernimento, o raciocínio e a inteligência.
A inteligência humana e
particularmente seu julgamento, sua ética e sua moral, são insuperáveis entre as
espécies que povoam nosso planeta. Nem por isto podemos deixar de reconhecer o
esforço extraordinário que sustenta a chama da sobrevivência e da reprodução, em
todas espécies vivas que comungam conosco o mesmo espaço.
O cérebro de que hoje
dispõe a criatura humana para sua caminhada terrena, é fruto deste esforço que a
vida fez a nosso favor.
É surpreendente que o
cérebro do selvagem mais primitivo já dispõe de uma estrutura anatômica que lhe
permita aprender a complexidade de um texto musical da atualidade.
O chimpanzé que está
mais próximo de nós em termos evolutivos, tem um cérebro de pouco mais de 300
gramas, bem inferior quando comparado com o nosso cérebro que pesa quase um
quilo e meio. Este mesmo chimpanzé, por outro lado, tem 99 % de seus genes
iguais aos nossos. Isto revela a importância do aprendizado e da experiência a
que se submeteu a espécie humana, quando se viu forçada a conviver com um
ambiente mais diversificado que o do chimpanzé.
Um chimpanzé treinado
será capaz de identificar objetos indicados pela palavra falada, mas não será
capaz de compreender metáforas, nem apreender uma frase com três indicações.
Quando eu falo do chifre da vaca que o fazendeiro usa, há dois sentidos que um
chimpanzé jamais conseguirá se dar conta.
Há uma grande diferença
no tamanho do cérebro de um homem atual e seus antepassados históricos, desde os
Australopithecus até ao Homo erectus. Possivelmente existiram espécies
intermediárias que conviveram no mesmo espaço físico e temporal facilitando esta
diferenciação. Pode ser o caso do Homem de Neandertal que tinha um crânio maior
que o do homem atual, mas, que desapareceu no decurso do tempo.
Nas Profundezas
da Mente.
Estudando o
comportamento dos animais, podemos perceber em diferentes espécies, que as mais
variadas tonalidades da personalidade humana são todas, de alguma forma,
reconhecidas entre as outras espécies de animais. Seriam, inesgotáveis os
exemplos que a vida animal nos oferece para estudo. Cada um que cria um
animalzinho em casa sabe que o gato tem ciúmes, o cachorro tem suas preferências
e suas antipatias e os pássaros de cativeiro são extremamente sensíveis a
variações nas suas rotinas.
No reino animal podemos
testemunhar a agressividade, o altruísmo, a monogamia, a infidelidade, a farsa,
o roubo, o engodo e a sedução. São todas estas, situações que o ser humano
apenas ampliou e diversificou.
O grande diferencial
entre nós e as outras espécies animais situa-se na nossa ética, na nossa moral,
no nosso livre arbítrio, no nosso julgamento e, de uma maneira mais marcante,
podemos afirmar que a verdadeira superioridade reside em nossa
consciência.
A consciência do ponto
de vista restrito da neurologia, se refere, mais especificamente, ao estado de
alerta. De uma maneira mais abrangente, a sua definição implica na noção do Eu e
de suas responsabilidade éticas e morais.
Os filósofos já nos
sugeriram conhecermos a nós mesmos na busca da verdade socrática. Isto
implicaria em esmiuçarmos os escaninhos mais profundos do nosso espírito sem
ter certeza de quanto extensa seria esta revelação. É pouco provável que este Eu
que nós somos se manifeste sem restrições ou disfarces se expondo abertamente no
campo iluminado da consciência.
Sigismund Freud. Uma Visão Psicodinâmica.
Freud (1886-1939) introduziu o método psicanalítico para o estudo da mente humana. Ele construiu com as suas interpretações um edifício de três andares para nosso aparelho psíquico. O ID, o EGO e o SUPER-EGO.
O ID é totalmente inconsciente e
não se revela abertamente. Podemos ter acesso a ele por processos de
interpretações, ditas psicanalíticas, para os sonhos, para os atos falhos e no
decurso das livres associações. O inconsciente contém os nossos desejos que a
consciência censura, rejeita e impede que se manifeste
O EGO está ligado à nossa
consciência, ele é, também, parcialmente inconsciente, num nível dito
pré-consciente.
O SUPER-EGO é predominantemente
consciente e parcialmente inconsciente. Ele exerce um papel de sensor moral do
EGO.
A Visão Espírita para a
Mente.
Uma definição neurológica do
Século XIX dizia que “o cérebro é o órgão de inserção do Espírito nas coisas”.
Após a adoção do paradigma materialista que passou a dominar a Medicina e toda
Ciência, o Espírito foi banido da fisiologia cerebral.
A visão filosófica de René
Descartes estabelecia dois domínios de existência. As coisas físicas – a rés
extensa - e o Espírito – rés cogitans - , responsável pelos nossos pensamentos
e as nossas paixões. Esta visão dualista foi aos poucos sendo rejeitada a medida
em que a Ciência descobria a fisiologia celular e a intimidade das trocas
metabólicas que mantinham a vitalidade do organismo.
Nos dias de hoje, a neurobiologia
tem procurado materializar no próprio cérebro toda atividade mental. Tanto
nossos pensamentos como nossas emoções seriam expressões de trocas químicas
entre os neurônios.
A neuropsicologia, instrumentada
pelos recursos da Ressonância Magnética e da Tomografia com Pósitrons, tem
conseguido sucesso na localização de funções tão sutis como a nossa capacidade
de identificar e nomear as cores.
Acontece, porém, que se fizermos
um estudo mais profundo sobre as aptidões humanas veremos que determinadas
capacidades fogem ao alcance da fisiologia cerebral conhecida. Podemos citar
como exemplo a visão à distância e a xenoglossia.
A Doutrina Espirita codificada em
1867 por Allan Kardec revela uma série de conhecimentos sobre nossa natureza
espiritual que vale apenas resumirmos no contexto deste estudo sobre a
mente.
Dizem os Espíritos que nosso corpo
e o nosso cérebro em particular, é apenas um instrumento de que se serve o
Espírito para se manifestar no ambiente físico onde estamos
vivendo.
O cérebro humano tem as limitações
próprias da matéria grosseira de que é feito e isto traz consequentemente um
obstáculo à plena manifestação do Espírito.
Na atual encarnação cada um de nós
é apenas aquilo que o nosso cérebro nos permite expressar.
O Espírito, para atuar no corpo
físico, se reveste de um perispírito ou corpo espiritual, que guarda estreita
semelhança com a aparência do corpo físico, mas sem as suas limitações. Assim é
que, o cérebro do corpo espiritual, armazena as memórias de todas as encarnações
que já tivemos. Cada um de nós, em função destas reencarnações, já desfrutou
diversas situações de vida, o que, de alguma forma, nos faz acumular
características de personalidades muito variadas. Já transitamos na Terra, como
homem ou mulher, rico ou pobre, culto ou simplório em outras
ocasiões.
Em cada nova encarnação o nosso
cérebro físico é estruturado à custas do patrimônio genético que nos é destinado
e pela influência das vibrações do corpo espiritual, que conforme nossas
necessidades e méritos, modifica a leitura do nosso abecedário
genético.
O perispírito estabelece uma
sintonia ao nível molecular com o nosso cérebro físico, principalmente nos
chacras coronário e frontal. Ele não se detém preso e limitado ao campo de ação
do corpo físico. O perispírito pode se emancipar do corpo, com maior ou menor
facilidade, navegando nas dimensões espirituais de onde procede. Este
desprendimento nos permite ter revelações mais ou menos completas, mais ou
menos fidedignas do ambiente espiritual que nos cerca.
André Luiz. Uma Proposta
de três Andares para o Cérebro.
Nos primeiros capítulos do livro
“No Mundo Maior” André Luiz (psicografia de Chico Xavier), nos transmite uma
análise do cérebro nos moldes da segmentação que foram apresentadas pelos
autores que estamos revendo.
Além de destacar os três andares
de atividade cerebral, apresentando uma divisão tanto anatômica como funcional,
André Luiz, nos chama a atenção para a possibilidade do indivíduo estacionar
evolutivamente em um destes níveis, comprometendo seu progresso
espiritual.
A partir de um quadro de obsessão,
o instrutor Calderaro mostra à André Luiz as áreas de atividade cerebral que ele
coloca em três níveis.
No polo frontal, estão sediadas as
nossas atividades ligadas ao “ideal e a meta superior” a que estamos destinados
a atingir. Ele se relaciona com nosso futuro espiritual. É a “casa das noções
superiores”. Tem correspondência com a dinâmica do superconsciente. Para André
Luiz, o polo frontal ainda se mostra silencioso para as investigações da Ciência
atual. Nele “jazem materiais de ordem sublime, que conquistaremos gradualmente,
no esforço de ascensão, representando a parte mais nobre de nosso organismo
divino em evolução”.
Num andar intermediário estão as
regiões motoras do lobo frontal. O córtex motor dos lobos frontais se relacionam
com nossa atividade voluntária, que se referem ao momento presente. Esta função
corresponderia ao plano consciente da terminologia freudiana. Aqui está o
“domínio das nossas conquistas atuais”, esta área corresponde ao nosso “esforço
e vontade”.
Nos andares inferiores,
representados pelo “sistema nervoso” em geral, estão situados os nossos hábitos
e nossa atividade instintiva. É “a residência dos nossos impulsos
automáticos”.
No enredo do quadro descrito como
pano de fundo, nos primeiros capítulos do “Mundo Maior”, um dos personagens
comete um crime, matando seu patrão e se apoderando de suas propriedades.
Perturbado pela vítima que o persegue vida à fora, o réu nunca se livrou dos
sentimentos de culpa e tenta se compensar pela dedicação excessiva ao trabalho,
tornando-se um vitorioso nos negócios de sua firma. Todo seu esforço foi
centralizado no rumo que dava à sua vida para ter sucesso nos
negócios.
André Luiz, então, nos chama a
atenção para esta estagnação em um dos níveis da atividade
cerebral.
No polo frontal significa estagiar
exclusivamente na atividade contemplativa, em que os ideais nobres são
supervalorizados, o que nos cristaliza por significar, muitas vezes, uma vida
sem produtividade.
No córtex motor, a fixação
obsessiva pelo trabalho, nos impede de subir aos setores mais elevados da
espiritualidade.
E uma vida automatizada, sem
idéias e sem uma atividade produtiva nos estaciona nos instinto e hábitos
animalescos.
Já apontamos no decurso das nossas
ilustrações que, o instinto, mesmo sendo de importância fundamental para a
sobrevivência e a procriação, não dispõe de flexibilidade para nos livrar de
situações especiais quando o ambiente estabelece novas regras de
relacionamento.
O ser humano apesar das grandes
conquistas que a jornada evolutiva lhe proporcionou, ainda se detém de maneira
imprudente nos estágios inferiores, fixados em hábitos e comportamentos
instintivos ou cristalizados em automatismos.
Numa simples contrariedade no
trânsito a maioria de nós se exaspera revelando toda ferocidade com que ainda se
relaciona com o próximo.
A violência sexual não tem poupado
nem a mulher nem a criança em qualquer latitude da civilização
moderna.
A licenciosidade embriagou os
jovens de hoje que desconhecem os limites do permissível. Para a maioria deles
os valores morais são descartáveis quando evocam seus compromissos com a
sociedade.
A ansiedade e o comportamento
neurótico tem comprometido a paz até mesmo dentro de casa, fixando mães e filhos
nas teias da obsessão.
A corrida atras do dinheiro, do
sucesso ou do poder tem afastado pais de família dos compromissos que a educação
dos filhos exige.
Divergências religiosas entre
povos que acreditam no mesmo Deus tem produzidos mais mortes que todas as
guerras.
O ser humano atual iniciou seu
processo social ha cerca de 200 mil anos. Do ponto de vista puramente anatômico,
o cérebro deste homem primitivo já continha toda estrutura de neurônios que
dispomos na atualidade. Isto quer dizer que ele poderia ser educado o suficiente
para reconhecer os acordes de uma sinfonia de Bethoven ou os conceitos da
física atômica. O que André Luiz nos garante é que no nosso lobo frontal já
dispomos de material cerebral adequado para nos elevar a níveis mais altos na
espiritualidade.
Devemos aguardar os próximos
milênios para que esta elevação seja alcançada.
* * *
Agradecimento: À Kátia
Gomes Facure Giaretta (mestre em Biologia pela UNICAMP) pelas
sugestões.
Bibliografia
Damásio, A – O
mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de
si - São Paulo – Companhia das Letras 2000
Kandel, E.R. ; Schwartz, J.H. ;
Jessel, T.M. – Fundamentos da Neurociência e do
comportamento – Rio de Janeiro – Ed. Prentice-Hall do Brasil LTDA
1997
Kapczinski, F. ; Quevedo, J.;
Izquierdo, I. – Bases biológicas dos transtornos
psiquiátricos – Porto Alegre – Artes Médicas Sul 2000
Lewin, R. – Evolução
Humana – São Paulo – Ed. Atheneu 1999
Luria, A R. –
Fundamentos de Neuropsicologia – São Paulo – Ed. Da
Universidade de São Paulo – 1981
Romero, S.M.B. –
Fundamentos de neurofisiologia comparada – Ribeirão
Preto – Holos 2000
Searle, J. R. – A
redescoberta da mente – São Paulo – Martins Fontes 1997
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