Jurema
A Jurema é uma árvore que floresce no
agreste e na caatinga nordestina; da casca de seu tronco e de suas raízes se faz
uma bebida mágico-sagrada que alimenta e dá força aos encantados do
"outro - mundo". É também essa bebida que permite aos homens entrar em contato
com o mundo espiritual e os seres que lá residem. Tal árvore se constitui
enquanto símbolo mágico-sagrado e é núcleo de várias práticas mágico-religiosas
de origem ameríndia. De fato, entre os diversos dos povos indígenas que
habitaram ou habitam o nordeste, se fazia e em alguns deles ainda se faz uso
ritual desta bebida1.
No ano de 1938, Curt Nimendaju obtém, entre os
índios de Santa Rosa – BA, descendentes de Tupiniquins e Kamuru-Kariri um
interessante depoimento; uma "visagem" do mundo espiritual conseguida por
aqueles que bebem da sagrada bebida feita com partes da Mimosa Nigra
Hub.
"A Jurema mostra o mundo inteiro a quem bebe:
Vê-se o céu aberto, cujo fundo é inteiramente vermelho; vê-se a morada luminosa
de Deus; vê-se o campo de flores onde habitam as almas dos índios mortos,
separada das almas dos outros. Ao fundo vê-se uma serra azul; vêem-se as aves do
campo de flores: beija-flores, sofrês e sabiás. À sua entrada estão os rochedos
que se entrechocam esmagando as almas dos maus quando estas querem passar entre
eles. Vê-se como o sol passa por debaixo da terra. Vê-se também a ave do trovão,
que é desta altura (um metro). Seus olhos são como as da arara, suas penas são
vermelhas e no alto da sua cabeça ela traz um enorme penacho. Abrindo e fechando
este penacho, ela produz o raio e, quando corre para lá e para cá, o trovão."
(Numendaju, 1986: 53)
Contudo, este culto este se difundiu dos Sertões
e Agrestes nordestino em direção às grandes cidades do litoral, onde elementos
das outras matrizes étnicas entraram em cena. Desse modo, o símbolo da árvore
que liga o mundo terreno ao além e, embora amargo2, dá sapiência3 aos
que dela se alimentam, ganha novos significados, surgindo um mito com traços
cristãos. Neste sentido, a Jurema surge como a árvore que escondeu a sagrada
família, dos soldados de Herodes, durante a fuga para o Egito, ganhando
desde então suas propriedades mágico-religiosas (Cf. Cascudo, 1931; Bastide,
1945).
A jurema é um pau sagrado
Onde Jesus descansou
Que dá força e "ciência"
Ao bom mestre curador.
Onde Jesus descansou
Que dá força e "ciência"
Ao bom mestre curador.
Ainda nessa perspectiva, juntaram-se na
constituição desta forma de religiosidade popular, outros elementos de origem
européia como a magia e o culto aos santos do catolicismo popular. Da matriz
africana, incorporou o sacrifício de animais, como realizado entre os Xangôs
nordestinos, além de algumas divindades do panteão Yorubá. As constantes ondas
migratórias entre o interior e o litoral devem ter influenciado nestes
intercâmbios de elementos simbólicos no culto. E com esta configuração ele se
espalha em algumas capitais nordestinas, como Recife, Paraíba, Maceió e
Natal.
Na década de 20 os jornais já anunciavam a
presença "dos baixos e barulhentos espíritos" do primitivo
"Catimbau",entre os ditos civilizados das pacatas cidades 4. A partir desta época encontramos referências sobre
a Jurema em autores como Cascudo (1931), Fernandes (1940), Bastide (1945) e
Vandezande (1975).
A Jurema que passaremos a apresentar é a
encontrada na cidade do Recife, em terreiros localizados em sua grande maioria
nos bairros periféricos da cidade. Dimensionado os limites espaços-temporais do
presente trabalho, um primeiro ponto a ser considerado é que o culto à Jurema
não se dá de forma padronizada entre os diversos grupos existentes. Como dizem
os juremeiros: "Jurema? Cada uma tem a sua, a minha eu cultuo como aprendi
com fulano... (sic.)" "A Jurema de sicrano..., ele dá bode ao mestre dele, na
minha eu não cultuo com sangue... (sic.)". Contudo, em meio às diferenças,
existe um complexo de ritos e crenças que os juremeiros compartilham e que
permite distinguir o culto à Jurema de outras formas concorrentes de
religiosidade popular, em especial do Xangô e da Umbanda como praticadas no
Recife. O que chamaremos aqui, complexo mágico-religioso da Jurema, envolve como
padrão a ingestão da bebida feita com partes da Jurema, o uso ritual do
tabaco 5,o transe de possessão por seres
encantados, além da crença em um mundo espiritual onde as entidades
residem.
Passaremos então a buscar, dentre os rituais
observados em várias casas religiosas do Recife, os elementos que possibilitem
melhor caracterizar o complexo mágico-religioso do Culto à Jurema. Enfocaremos,
então, o mundo espiritual e o panteão de encantados, os artefatos religiosos, os
rituais, enfim, a visão de mundo existente entre os juremeiros.
O Mundo Espiritual e Sua Representação no Mundo dos
Vivos
"Abrindo a Mesa, com Luz e Amor
Abrindo as Portas do Juremá
Chamando os Guias
Para trabalhar."
Abrindo as Portas do Juremá
Chamando os Guias
Para trabalhar."
Quem já assistiu uma reunião de Jurema, deve
lembrar-se dessa toada, cantada no início das sessões, para convidar os
"Senhores Mestres do outro - mundo" a participarem do mundo dos vivos. Para os
juremeiros paraibanos e pernambucanos este mundo espiritual tem o nome de Juremá
e é composto por reinados, cidades e aldeias. Nestes Reinos e Cidades residem os
encantados: os Mestres e os Caboclos. Diz-nos Cascudo (1931: 43):
"Cada aldeia tem três `mestres'. Doze aldeias
fazem um Reino com 36 `mestres'. No reino há cidades, serras, florestas, rios.
Quanto são os Reinos? Sete, segundo uns. Vajucá, Tigre, Candindé, Urubá,
Juremal6, Fundo do Mar, e Josafá. Ou cinco,
ensinam outros. Vajucá, Juremal, Tanema, Urubá e Josafá".
A Jurema é a cidade-estado deste mundo
espiritual. Em Alhandra, localidade do litoral paraibano, considerada por muitos
o berço de uma grande linhagem de catimbozeiros e mestres do além, como Manoel
Inácio e Maria do Acais, que como nos conta Vandezande (1975) lá formaram escola
quando em vida; as árvores de Jurema cultivadas pelos catimbozeiros são
consideradas as próprias cidades espirituais.
"A `cidade' mais antiga de jurema, cujo pé de
jurema teria sido plantado pelo `mestre Inácio', regente dos índios, é o arbusto
velho e enorme que se encontra na atual propriedade `Estiva'... O arbusto é
sempre venerado, e muitas vezes há velas acesas ao anoitecer... O lugar é
chamado pelos entendidos de `cidade do Major do Dias'... Mestre Inácio e o
mestre Major do Dias foram proprietários de Estiva. O atual proprietário, o
mestre Adão, um dia tornar-se-á também `mestre' do além depois que o seu
espírito for lavado7."(Vandezande, 1975:
129)
Entre os recifenses, talvez pela falta de espaço
nos locais de culto, troncos da planta sãoassentados 8 em recipientes de barro e simbolizam as cidades dos
principais mestres das casas. Estes troncos, juntamente com as princesas e
príncipes, com imagens de santos católicos e de espíritos afro-ameríndios,
maracás e cachimbos, constituirão as Mesas de Jurema. Chama-se
Mesa o altar junto ao qual são consultados os espíritos e onde são oferecidas
as obrigações que a eles se deva.
As princesas são vasilhas redondas de vidro ou de
louça dentro das quais são preparadas a bebida sagrada e, em ocasiões especiais,
onde são oferecidos alimentos ou bebidas aos encantados. Os príncipes são taças
ou copos, que normalmente estão cheios com água e eventualmente com alguma
bebida do agrado da entidade. É comum vê-se nas mesas mais elaboradas uma
complexa arrumação onde entram na composição príncipes, princesas e
trocos.
O príncipe ou a princesa é a menor unidade de
simbolização de uma entidade espiritual. Todo Juremeiro deve ter, ao menos um
destes dedicado ao seu mestre e assentado em sua mesa. Contudo, de acordo com a
disponibilidade financeira, pode-se constituir todo um "estado
espiritual– as cidades dominadas por uma determinada entidade.
Confecciona-se um estado através do uso de uma princesa tendo ao seu centro um
príncipe e em seu derredor mais seis deles. Para complementar este artefato,
entraria o tronco da árvore sagrada, que pode ficar no centro da mesa ou em
baixo dela.
Para alguns entendidos no culto, é no troco –
junto com outros apetrechos que a entidade que o domina solicita que seja nele
depositado –, onde estaria o verdadeiro segredo de uma "Jurema
plantada". Portanto, eles argumentam que este deveria ficar longe dos
olhos dos curiosos, normalmente em baixo da mesa. Como adverte uma das toadas:
"A Ciência da Jurema / Todos querem saber / Mas é feito casa de abelha /
Trabalha que ninguém vê." Em cima do tronco, sobre a mesa, ficaria, a vista
de todos, o jogo de príncipes e princesas.
Os Habitantes do Juremá
Duas categorias de entidades espirituais têm seus
assentamentos nas mesas de Jurema, os Caboclos e os Mestres.
Os Caboclos e Índios
"Fui pra mata, fui caçar
Atirei no que não vi
Acertei passo sagrado,
Era um Pitiguarí.
Atirei no que não vi
Acertei passo sagrado,
Era um Pitiguarí.
*
Mas, Tupã me perdoou
Hoje eu não caço mais
Me chamoFlecha Dourada,
Protetor dos animais."
(Jurema de mesa)
Hoje eu não caço mais
Me chamoFlecha Dourada,
Protetor dos animais."
(Jurema de mesa)
*
Os Caboclos são identificados como entidades
indígenas que trabalham principalmente com a cura através do conhecimento das
ervas (Pinto, 1995). Durante a estada destas entidades nos terreiros,
incorporadas nos médiuns, dão passes e realizam benzeduras com ervas e
folhagens. São associados às correntes espirituais mais elevadas, as que
trabalham para o bem, mas que também podem ser perigosas quando usados contra
alguém. Por isso são muito temidos. Diz um informante de Pinto (op. cit.:
53-54):
"... na antiguidade se tina muito medo dos
caboclos por causa das flechadas. A flechada de um índio é pior que o trabalho
de um mestre... só algumas pessoas que sabem mexer e botar a mão ali
dentro"
Nas Mesas o caboclo é simbolizado por príncipes,
estátuas de índios e apetrechos confeccionados por ameríndios ou inspirados
neles como cocas, flechas, preiacas, colares, etc.
Os caboclos comem frutas, flores, mel, carne
bovina ou peixe, que pode ser crua, cozida no vinho, ou assada na brasa. Com a
introdução de sacrifício de animais nas práticas juremistas, é comum
oferecer-lhes pequenos animais como passarinhos, preás, coelhos e
outro "bichos de caça". São oferecidos ainda raízes como a mandioca, a
batata doce e alimentos confeccionados a partir delas. Alguns juremeiros
oferecem vinho branco a estas entidades, outros apenas sucos de frutas e
refrigerantes como o guaraná. Normalmente os caboclos não fumam e no momento das
reuniões e giras a eles destinadas não se deve fumar; contudo alguns caboclos se
utilizam destes elementos. No caso dos caboclos que utilizem do tabaco em seus
trabalhos, nas oferendas estes devem se fazer presentes na forma em que o
caboclo em questão mais se agradar (cachimbo ou cigarro de palha ou charuto).
Completam as oferendas as bugias ou inãs, as velas.
Na incorporação vêem-se três estereótipos
relacionados ao gênero e a faixa etária destas entidades: Os caboclos
crianças, sejam de um sexo ou de outro, descem pedindo mel, balas e frutas.
São pouco ascéticos quando comem estes alimentos, depositando e misturando os
ingredientes no próprio chão dos terreiros. É costume, ainda, lambuzarem a si e
aos com que compartilham de seu alimento. Muitas vezes querem comer pequenos
insetos e répteis que encontrem nas casas de culto, sob o argumento de que nas
matas comem destes animais. São brincalhões e falam uma linguagem infantilizada
do tipo tati-bi-tati.
Os caboclos adultos do
sexo masculino têm o semblante carrancudo. Sua voz, normalmente faz-se
ouvir claramente. Descem em geral estalando os dedos e emitindo um som
sibilante. Quando em reuniões, onde não haja o batuque dos tambores, dançam em
círculo, dobrando um joelho e deixando a outra perna atrás (Pinto, 1995). Nas
festas a sua coreografia muda assumindo os passos dançados pelos "caboclinhos"
dos folguedos populares do carnaval pernambucano. As caboclas têm uma
expressão facial de maior suavidade e, normalmente, falam uma linguagem onde se
intercala no início das palavras a sílaba si
Os Mestres
É morão que não bambeia
É morão que não bambeia
Os Mestres da Jurema
É morão que não bambeia.
(Gira de Jurema)
É morão que não bambeia
Os Mestres da Jurema
É morão que não bambeia.
(Gira de Jurema)
Outra categoria de entidades que recebem culto na
Jurema é a dos Mestres. Ao que parece o termo mestre é de origem portuguesa,
onde tinha o sentido tradicional de médico (Motta, 1985), ou segundo Cascudo
(1931) de feiticeiro. De forma geral, os mestres são descritos como espíritos
curadores de descendência escrava ou mestiça (índio com negro ou branco com uma
das duas outras raças). Dizem os juremeiros que os mestres foram pessoas que,
quando em vida, trabalharam nas lavouras e possuíam conhecimento de ervas e
plantas curativas. Por outro lado, algo trágico teria acontecido e eles
teriam "se passado" (morrido), se encantando, podendo assim voltar
para "acudir"os que ficaram "neste vale de lágrimas". Alguns deles
se iniciaram nos mistérios e "ciência" da Jurema antes de morrer, como o mestre
Inácio ou Maria do Acais e toda a linhagem de catimbozeiros de Alhandra, que
após um ritual denominado "lavagem" ganham um lugar nas cidades
espirituais e passam a incorporar nos discípulos que formaram (Vandezande,
1975). Outros adquiriram esse conhecimento no momento da morte, pelo fato desta
ter acontecido próximo a um espécime da árvore sagrada.
No panteão juremista, existem vários mestres e
mestras, cada qual responsável por uma atividade relacionada aos diversos campos
da existência humana (cura de determinadas doenças, trabalho, amor...). Há ainda
aqueles especialistas em fazer trabalhos contra os inimigos. Nas mesas, as
representações das entidades relacionadas nesta categoria são as mais
elaboradas, geralmente possuindo o estado completo e a "jurema
plantada"; em especial a do "mestre da casa", aquele que incorpora no
juremeiro, faz as consultas e iniciam os afilhados nos segredos do culto.Por
tudo isso esse mestre é carinhosamente chamado de "meu padrinho".
Cada mestre está associado a uma cidade
espiritual e a uma determinada planta de"ciência"(angico, vajucá, junça,
quebra-pedra, palmeira, arruda, lírio, angélica,imburana de cheiro e a própria
Jurema, entre outros vegetais), existindo ainda alguns relacionados a fauna
nordestina (mamíferos – guará, preá –; aves – gavião, periquito, arara,
pitiguarí –; insetos – abelhas, besouro mangangá; répteis – cobras). Para os
mestres relacionados à outra planta que não a Jurema, são estas plantas (quando
arvores) que tem seus trocos plantados nas mesas dos discípulos.
No outro mundo, do lado de lá!
No outro mundo, do lado de cá!
Tem um pé de árvore, Angico real.
Tem um pé de Jurema, tem um pé de Jucá,
Tem um pé de árvore, Angico Real.
No outro mundo, do lado de cá!
Tem um pé de árvore, Angico real.
Tem um pé de Jurema, tem um pé de Jucá,
Tem um pé de árvore, Angico Real.
Ai meu Deus, Mestre Angico sou eu.
Ai meu Deus, Mestre Angico será.
Os anjinhos tão no céu, a sereia no mar.
Ai meu deus mestre Angico Reá.
(Jurema de Mesa)
Ai meu Deus, Mestre Angico será.
Os anjinhos tão no céu, a sereia no mar.
Ai meu deus mestre Angico Reá.
(Jurema de Mesa)
Por exemplo, a cidade de Mestre Angico deve ser
plantada em um troco da árvore do mesmo nome; as cidades das mestras geralmente
são plantadas em trocos de imburana de cheiro. No caso dos mestres que tem
relação com vegetais, são daquelas espécies que tiram a força e
a "ciência" para trabalhar. Os que têm relação com animais acredita-se
que eles possam encantar-se em animais das espécies referidas, aparecendo em
sonhos, visagens e, muitas vezes, assim metamorfoseados quando incorporados em
seus discípulos.
Nesta categoria, como entre os caboclos, há uma
distinção do gênero das entidades. Distinção que irá determinar seus atributos e
como devem ser cultuadas.
O símbolo dos mestres masculinos é o
cachimbo ou "marca", cujo poder está na fumaça que tanto mata como cura,
dependendo se a fumaçada é "as esquerdas" ou "as direitas" (Pinto,
1995). Essa relação com a "magia da fumaça" é expressa nos assentamentos
dos mestres, onde sempre se encontra presente "rodias" de fumo de rolo,
nos cachimbos e nas toadas:
Setenta anos,
Passei no pé da Jurema.
Mas eu não tenho pena
De quem me faça o mal.
Passei no pé da Jurema.
Mas eu não tenho pena
De quem me faça o mal.
Se eu me zangar
Eu toco fogo no rochedo
Meu cachimbo é um segredo
Agora vou me vingar.
Eu toco fogo no rochedo
Meu cachimbo é um segredo
Agora vou me vingar.
(Jurema de Mesa e Gira de Jurema)
Como oferendas, os mestres recebem a cachaça, que
nunca deve faltar quando estão presentes nos cultos, o fumo, seja nos charutos
ou os utilizados nos cachimbos, alimentos preparados com crustáceos e moluscos
diversos. Com essas iguarias, agrada-se e fortificam-se os mestres. A bebida
feita com a entrecasca do caule ou raiz da Jurema e outras ervas
de "ciência" (Junça, Angico, Jucá, entre outras) acrescidas à aguardente,
é, entretanto, a maior fonte de força e "ciência", para estas entidades.
Nos terreiros que sofreram maior influência dos cultos africanos, é comum o
mestre receber sacrifícios de galos vermelhos, bodes e, muitas vezes, até de
novilhos.
Quando em terra, incorporados, os mestres já
chegam embriagados, tombando de lado a lado e falando embolado. São brincalhões,
chamam palavrões, mas o que falam é respeitado por todos. Durante o transe os
mestres apresentam-se com o corpo ligeiramente voltado para frente. Na dança as
pernas tem os joelhos ligeiramente flexionados, o pé direito vai à frente e dá
dois passos para o mesmo lado, o pé esquerdo é arrastado; é então a vez do pé
esquerdo ir à frente ao mesmo estilo de dança; variações vão sendo executadas
tendo como base o ritmo dos Ilus9 e a letra das
toadas.
Quanto as Mestras, reconhecem-se seus
assentamentos pela presença de leques, bijuterias, piteiras, cigarros e
cigarrilhas. Como no caso dos mestres, existe uma infinidade destas entidades,
com atributos e especialidades nas questões mundanas e espirituais. Algumas
casas fazem uma distinção entre as mestras que trabalham "nas
esquerdas" e "nas direitas". Nesta última categoria, encontram-se
mestras como a Gertrudes e a Lorinda, ambas parteiras na vida material e hoje
ajudam as mulheres no dar a luz a mais um "ser vivente".
Algumas mestras morreram virgens, por isso
ganharam o estatuto de princesas quando ingressaram nas moradas do além. Vale
lembrar os nomes de algumas princesas como a Mestra Marianinha, a Princesa
Catarina e a Princesa da Rosa Vermelha.
"Sou Princesa da Rosa
Vermelha
Sou Princesa que venho ajudar
Sou Princesa dos campos de Anadir
O meu ponto venho afirmar
Sou Princesa que venho ajudar
Sou Princesa dos campos de Anadir
O meu ponto venho afirmar
Vinde, vinde, vinde minhas irmãs
Vinde, vinde, vinde me ajudar
Eu sou a Princesa Elisa
O meu ponto venho afirmar
Vinde, vinde, vinde me ajudar
Eu sou a Princesa Elisa
O meu ponto venho afirmar
(Jurema de Mesa)
Contudo, não é fácil encontrar, atualmente, a
manifestação de tais mestras; encontramos bem mais as chamadas "mestras das
esquerda", entidades que em vida material foram "mulheres de vida
fácil"; mulheres das ruas e dos cabarés nordestinos.
Homem pequeno
na minha cama não dormia,
Servia de cafetão,
nas horas que eu queria.
na minha cama não dormia,
Servia de cafetão,
nas horas que eu queria.
Mulher sozinha
é mulher de opinião,
É mulher de muitos homens
más só um no coração.
é mulher de opinião,
É mulher de muitos homens
más só um no coração.
Eu vou dá uma,
vou da duas, vou dá três,
Se você me arretar,
eu dou quatro, cinco, seis.
vou da duas, vou dá três,
Se você me arretar,
eu dou quatro, cinco, seis.
Lembremos das Mestras Paulina e Juvina, inimigas
desde as "bandas de Maceió"; Mestra Ritinha que se passou com quinze anos
na Rua da Guia, antigamente uma das mais populares zonas de baixo meretrício
recifense e que hoje abriga bares freqüentados pela alta sociedade da cidade;
Mestra Severina que residia no bairro do Pina e passeava no bonde do Loré quando
este percorria as velhas ruas da capital pernambucana; Júlia Galega da Zona do
Sul...
Tava na beira do Cais
Quando um naviu apitou
Um marinheiro me deu um abraço,
Apertou minha mão, minha boca beijou.
Quando um naviu apitou
Um marinheiro me deu um abraço,
Apertou minha mão, minha boca beijou.
Ela é Julia Galega,
Foi num cabaré onde se passou
Seus cabelos loiros,
Na Jurema ela deixou.
Foi num cabaré onde se passou
Seus cabelos loiros,
Na Jurema ela deixou.
É Julia Galega da Zona do Sul
Ela da lapada, tira o couro e come cru.
Ela da lapada, tira o couro e come cru.
(Gira de Jurema)
Tais mestras são peritas nos "assuntos do
coração", são elas que dão conselhos as moças e rapazes que queiram
casar-se, que realizam as amarrações amorosas, que fazem e desfazem
casamentos.
Todo jardim tem que ter uma flor,
Onde tem paz, tem que ter amor.
Home prá ser home, tem que ter mulher,
Dai-me um cigarro quem quiser Amélia chegou.
Onde tem paz, tem que ter amor.
Home prá ser home, tem que ter mulher,
Dai-me um cigarro quem quiser Amélia chegou.
(Mesa de Jurema)
Muito vaidosas, quando incorporadas elas
travestem os seus discípulos de forma a melhor aclimatar a "matéria" as
suas performances femininas. Quanto à mudança corporal característica da
incorporação das mestras, observamos que quando estão dançando geralmente mantém
uma ou as duas mãos dobradas com a palma para fora, na altura da cintura ou
quadris. Quando seguram um cigarro, a palma da mão fica sempre distendida e a
mostra. Na dança os braços fazem arcos; ficam distendidos ao longo do contorno
da roupa; em alguns momentos, geralmente quando se cantam toadas que falam do
corpo ou da sensualidade feminina, as mãos passeiam pelo contorno da silhueta
corporal.
Quando entre seus afilhados e discípulos no mundo
material, bebem cerveja, cidra e champanhe, embora não rejeitem outras bebidas
que se lhes ofereça. Gostam de comer peixe assado que é depositado em suas
princesas para lhes dar força para trabalhar. Algumas casas, as que se utilizam
de sacrifícios a estas entidades, elas recebem galinhas, cabras e
novilhas.
Além dos caboclos e dos mestres, vem na jurema,
mas com menos freqüência, os Pretos e Pretas Velhas. Espíritos de velhos
escravos africanos, peritos em benzeduras e nos conselhos que dão a
seus "netinhos" dos terreiros. Temos aqui, talvez, uma influência da
Umbanda sobre o culto Juremista.
Contudo a influência dos cultos africanos é
melhor expressa na incorporação dos Exus e Pomba Giras ao panteão
juremista. Na Jurema eles aparecem como os servos dos mestres ou como mestres
menos esclarecidos e mais propícios aos trabalhos para o mal.
Junta-se a este panteão os Santos da Igreja
Católica, que são cumprimentados pelos mestres e caboclos, e os quais
encontramos referências nas toadas e nas orações utilizadas nos fazeres mágicos
ensinados pelos espíritos.
Minha Santa Terazinha,
Vós queira me ajudar.
Os trabalhos que eu fizer,
Outros não possam desmanchar.
Vós queira me ajudar.
Os trabalhos que eu fizer,
Outros não possam desmanchar.
Sou massapê,
Barrostroá!
Sou caboclo da Jurema,
Só faço o bem, não faço o mal.
Barrostroá!
Sou caboclo da Jurema,
Só faço o bem, não faço o mal.
(Jurema de Mesa)
Também encontramos em algumas Juremas
os Orixás do Xangô. Em algumas casas se abre as giras de jurema cantando
para os Deuses de origem africana depois de saudar Exu. Entretanto as toadas
são, geralmente, em português como na Umbanda.
Caboclo Oxossi entrou na Jurema,
Mamãe Oxun levou para criar.
Mas ele é um rei caçador,
É filho da índia da cobra coral.
Mamãe Oxun levou para criar.
Mas ele é um rei caçador,
É filho da índia da cobra coral.
(Gira de Jurema e Jurema de Mesa)
Além disso, é comum os mestres indicarem serviços
a serem feitos com o "povo da bunda grande"(modo como as entidades de
jurema se referem ao culto dos Orixás), além de saberem quais os seus próprios
Orixás de cabeça. Junte-se ainda o Deus Supremo, que é sempre saudado
pelos mestres e caboclos: "quem pode mais do que Deus?" "Salve
Deus!"
Os Ritos
Juremação e Tombo de Jurema
Olha o tombo na Jurema
No terreiro Juremar
Vou pedir força a meu pai
Licença pra trabalhar.
No terreiro Juremar
Vou pedir força a meu pai
Licença pra trabalhar.
(Juremação)
Muitos juremeiros dizem que "um bom mestre já
nasce feito"; contudo alguns ritos são utilizados para "fortificar as
correntes" e dar mais conhecimento mágico-espiritual aos discípulos. O
ritual mais simples, porem de "muita ciência" é o conhecido
como "juremação", "implantação da semente", ou"Ciência
da Jurema". Este ritual consiste em plantar no corpo do discípulo, por baixo
de sua pele, uma semente da árvore sagrada10
Existem três procedimentos para se chegar
a "juremação" dos discípulos. Em um primeiro, o próprio mestre espiritual
é o responsável pela implantação da semente. Esse mestre promete ao discípulo e
após algum tempo, misteriosamente, surge a semente em uma parte qualquer do
corpo11. Um segundo procedimento é aquele em que
o líder religioso (o juremeiro) realiza um ritual especial, onde dá a seus
afilhados a semente e o vinho de Jurema para beber. Após este rito, o iniciante
deve abster-se de relações sexuais por sete dias consecutivos, período em que
todas as noites ele deverá ser levado em sonhos, por seus guias espirituais,
para conhecer as cidades e aldeias onde aqueles residem. Ao final deste período,
a semente ingerida deverá reaparecer em baixo de sua pele. Caberá, ainda, ao
iniciante contar ao seu iniciador o que viu em sonho para que este reconheça ou
não a validade de suas viagens espirituais e, por conseguinte, da juremação. Num
terceiro procedimento, o juremeiro implanta a semente da Jurema, através de um
corte realizado na pele do braço.
Há ainda, geralmente concomitante a ciência de
Jurema, um ritual conhecido como a "Ciência do
Cachimbo". Este dará, ao iniciante, força em
suas "cachimbadas". Tal "ciência" é dada através do sopro
invertido do cachimbo, onde a fumaça é jogada pelo tubo do mesmo, diretamente
sobre a pele do braço do iniciante, até que o calor queime o local.
O "Tombo de Jurema" se constitui no
processo pelo qual muitos dos mestres, que hoje estão no mundo espiritual,
passaram para ganhar a "Ciência". "Tombam" no pé da jurema e ao
acordar estão prontos para trabalhar. Foi o caso do Mestre Carlos, famoso por
seu dom de cura nas mesas de Jurema de todo o nordeste.
Ôh de casa Ôh de fora,
Quem é que me bate aí?
É Jesus, Nossa Senhora
As portas me vai abrir.
Quem é que me bate aí?
É Jesus, Nossa Senhora
As portas me vai abrir.
Ôh de casa Ôh de fora
Louvado seja meu deus!
Com Jesus, Nossa Senhora
Mestre Carlos apareceu.
Louvado seja meu deus!
Com Jesus, Nossa Senhora
Mestre Carlos apareceu.
Mestre Carlos é um bom mestre
Que nasceu sem se incinar
Três dias levou caido
Narama do juremá
Quando se alevantou
Foi mestre prá trabalhar.
Que nasceu sem se incinar
Três dias levou caido
Narama do juremá
Quando se alevantou
Foi mestre prá trabalhar.
(Jurema de Mesa)
Contudo, nos terreiros, o rito foi tornado bem
mais complexo que sua referência mítica. O tombamento consiste, então, no
oferecimento de alimentos e sacrifícios às correntes espirituais do iniciante.
Nele comem o Caboclo, o Mestre, a Mestra, o Exu e a Pomba Gira do iniciante.
Acontece ainda a juremação, com a implantação da semente através do corte na
pele e a viagem espiritual. A viagem deve acontecer no período que se intercala
entre a oferta dos sacrifícios ao caboclo e a preparação das comidas oferecidas
em banquete ritual. Ainda durante o sacrifício, o iniciante é levado, durante o
transe, para "correr as cidades espirituais". O interessante e singular
neste transe é que os adeptos acreditam que enquanto a pessoa (Ego) é levada
para realizar a viagem espiritual, o caboclo permanece no corpo do
iniciante.
Concluído o sacrifício, passa-se a preparação das
carnes dos animais e a partição das frutas e alimentos oferecidos aos
encantados. O caboclo é alimentado com uma pequena porção de tudo que foi
oferecido. Findo o banquete, o caboclo é então mandado de volta a sua cidade e o
filho deverá contar ao seu iniciador o que viu. Se sua viagem for considerada
válida segue-se os sacrifícios às demais entidades: o Mestre, a Mestra, o Exu e
a Pomba Gira.
No dia posterior, em animada festa, o caboclo,
vestido a caráter, deverá, como na iniciação do Candomblé, gritar o seu nome e
também cantar sua toada. O Iniciante também poderá vestir as demais entidades a
quem "deu de comer". A riqueza deste ritual completo está intrinsecamente
ligada às condições financeiras do iniciante.
Reuniões e Festas
Sexta-feira, 19h30min, seu
Malunguinho já está em terra. Os seus afilhados cantam para agradá-lo. A uma
ordem do Mestre-Caboclo-Exu, cachaça para os homens, vinho para as mulheres.
Eventualmente a bebida feita com a Jurema também é compartilhada pelos
presentes.
Ninguém consegue ficar parado. A reunião
prossegue e a vontade de dançar aumenta. Muitos ensaiam algumas das coreografias
próprias dos toques de macumba. O espaço é mínimo, mas a vontade vence as
limitações. O primeiro andar da casa da mãe carnal de Gilmar se transforma em um
verdadeiro terreiro.
Outras entidades seguem o caminho aberto por seu
Malunguinho e também se comunicam com os presentes através do corpo dos
Juremeiros. Em Gilmar vêm o Mestre Junqueiro e a Mestra Paulina. Figuras
consagradas dentro da "Sagrada Jurema". Uns ou outros vem, vez e outra,
às reuniões semanais na casa/terreiro de Pai Gil no bairro de Brasília Teimosa,
Zona Sul da cidade. Assim também é na casa de Pai Carlitos, no bairro do IPSEP,
onde é a vez do Mestre Cibamba e da Mestra Severina tomarem a cena e comandarem
os "trabalhos espirituais".
Nos terreiros menores, como os supracitados, onde
os pais de santo ainda lutam para conquistar um espaço de destaque no concorrido
mercado religioso da cidade, são os mestres e outras entidades dos próprios pais
de santo que fazem a cena das noites de reunião. Nos terreiros já consolidados,
os filhos com "mediunidade desenvolvida", Jurema plantada e cidades
assentadas dividem e compartilham com os seus "Padrinhos de Jurema" os
trabalhos e consultas a serem realizadas.
"CadaJurema é uma Jurema"; existem muitas
formas de se "trabalhar dentro da Ciência espiritual". Existem aqueles
que realizam a Jurema de Mesa em seus terreiros. Os discípulos
sentam ao redor de uma mesa, em cima destas alguns príncipes e princesas. Após
louvar-se o nome do Nosso Senhor Jesus Cristo, exaltar-se a força da Jurema
Sagrada e de outras Árvores encantadas, recitar-se uma oração Católica ou a
"Prece de Cáritas", abre-se as sessões.
Uma "Mesa" pode ser aberta "pelas
direitas" ou "pelas esquerdas". Nas abertas "pelas direitas",
só as entidades mais elevadas devem se fazer presentes: Caboclos, Índios,
Princesas e Mestres que já estão "perto de subir", todas"entidades de
muita luz".Incorporadas elas dão passes, receitam banhos de ervas e
defumações, além de cantarem seus pontos, afirmando assim sua força na Sagrada
Jurema.
Quando se abre uma mesa "pelas
esquerdas" qualquer tipo de entidade espiritual pode vir. Os trabalhos não
precisam, necessariamente, visar o mal de alguém, contudo, aberto os trabalhos
por este lado da "ciência", já é possível devolver aos inúmeros inimigos,
que estão sempre à espreita, os males que estes possam estar fazendo.
Campos verdes, Campos verdes
Campos verdes do Senhor
Vamos virar os contrários
Pra cima de quem Mandou
Com as forças da Jurema
De Jesus Nosso Senhor
Campos verdes do Senhor
Vamos virar os contrários
Pra cima de quem Mandou
Com as forças da Jurema
De Jesus Nosso Senhor
Em algumas casas as reuniões nãoocorrem em redor
de uma mesa, mas perto da "mesa/altar" onde se encontram assentados os
encantados da casa. Por vezes isso acontece pela falta de espaço no cômodo onde
acontece a reunião, em outros casos deve-se ao fato do terreiro não possuir
médiuns desenvolvidos, em número o suficiente para compor "a corrente" de
uma mesa. Contudo as entidades são chamadas, quase sempre, na mesma seqüência
quando as reuniões acontecem com os discípulos sentados ao redor de uma
mesa.
Orações e saudações feitas cantam-se para abrir
a "mesa" e chamar os guias. Em algumas casas estes dão sua presença,
afirmando que protegerão seus discípulos durante a realização dos trabalhos.
Canta-se então para Malunguinho, o caboclo que pode vir como Mestre ou também
como Exu. Para alguns ele é o verdadeiro Exu da Jurema. Em seguida canta-se para
os demais caboclos do Juremá: Cabocla Aurora, Índio Tupi, Sete Flechas, Caboclo
Guarací, os Tapuias e os Canidés, a própria Cabocla Jurema e
seus "Capangueiros" do Além. Incorporando ou não eles são homenageados
com toadas próprias.
Subindo o último Índio ou Caboclo, é o momento de
todos, exceto o juremeiro-mor, se prostrarem de joelhos no chão e pedir ao
Juremá licença para entrar em seus domínios; é que os "Senhores Mestres" já vem
chegando...
Ôh, Jurema encantada!
Que nasceu em frio chão!
Daí-me força e ciência.
Como destes a Salomão!
Que nasceu em frio chão!
Daí-me força e ciência.
Como destes a Salomão!
Rei Salomão bem que dizia
A seus filhos juremados
Para entrar na jurema, mestre!
Tem que Ter muito cuidado!
A seus filhos juremados
Para entrar na jurema, mestre!
Tem que Ter muito cuidado!
Rei Salomão bem que dizia
A seus filhos juremeiros
Para entrar na Jurema, mestre!
Tem que pedir licença primeiro
A seus filhos juremeiros
Para entrar na Jurema, mestre!
Tem que pedir licença primeiro
Vamos salvar a
Jurema, Mestre!
Vamos salvar Salomão
Vamos salvar a Jurema, Mestre!
Que é de nossa Obrigação.
Vamos salvar Salomão
Vamos salvar a Jurema, Mestre!
Que é de nossa Obrigação.
Rei Salomão, Rei Salomão!
Arreia, Rial!
Rei Salomão do Juremá!
Arreia, Rial!
Eu vou chamar senhores Mestres!
Arreia, Rial!
Para com eles triunfar!
Arreia, Rial!
Arreia, Rial!
Rei Salomão do Juremá!
Arreia, Rial!
Eu vou chamar senhores Mestres!
Arreia, Rial!
Para com eles triunfar!
Arreia, Rial!
Os discípulos pedem benção aos Juremeiros mais
velhos na casa. Saúdam com benzenções a Mesa da Jurema e os artefatos dos
Mestres. A Jurema é dita aberta. Os Senhores Mestres começam a chegar.
Parece ser este o momento que todos esperam, a
chega dos Mestres e, quando estes se forem, a presença das Mestras. É o momento
das consultas que sempre têm clientela certa. Momento onde coisas sérias são
tratadas com irreverência, sem que, no entanto percam a gravidade e o apresso
dos mestres e mestras, sempre prontos a ajudar a seus afilhados. Nos casos mais
graves, entretanto, o mestre logo marca um dia mais conveniente, onde poderá
realizar "trabalhos em particular". É assim que o mestre traz os recursos
financeiros necessários para a manutenção da casa de culto e do seu
discípulo.
As ocasiões de festa, os "toques de
Jurema" ou "Macumbas", têm inicio com cantigas para Exu e em seguida
para as Pomba Giras. Despachado os Exus, segue cantigas para Malunguinho e
posteriormente para os outros Caboclos. Voltando os Caboclos para as suas
aldeias, saúda-se a Sagrada Jurema e os mestres começam a chegar. Canta-se para
que os mestres subam e iniciam-se as toadas das mestras. Após a subida destas,
um Pai Nosso seguido de uma Ave Maria encerra o culto aos espíritos. Seguem-se,
então, os festejos com o Ajeum12, por vezes
acompanhado de um "Coco de Roda" 13.
A Jurema e o Campo Religioso Afro-brasileiro
Senhores Mestres do Outro Mundo
Do Outro Mundo e deste também
Quero fechar meus trabalhos, senhores mestres!
Nas horas de Deus, Amém.
Do Outro Mundo e deste também
Quero fechar meus trabalhos, senhores mestres!
Nas horas de Deus, Amém.
(Jurema de Mesa, Toada de
encerramento)
A literatura clássica sobre o Xangô do Recife
tende a colocar como distintas e incompatíveis o Culto à Jurema e o Xangô
Tradicional. A tendência é tomar como um dos critérios para identificar o grau
de tradicionalidade das casas de santo, a realização ou não de tal culto. Os que
cultuam o panteão juremista são logo caracterizados como sincréticos (Umbanda e
Xangô-Umbandizado). Entretanto, Pinto (1995) traz para a literatura
antropológica a importante constatação de que a Jurema, mesmo que muitas vezes
esteja discursivamente invisível, está presente em todos aqueles espaços
religiosos.
Mesmo nos Terreiros de Xangô mais tradicionais do
Recife, alguns dos quais sem nenhum espaço ritualmente constituído para cultuar
os espíritos da Jurema, estes reaparecem nas residências dos filhos de santo ou
em terreiros afiliados (para os filhos que alcançaram a senioridade e abriram
casas), recebendo culto de diversas formas.
Desse modo,
não podemos entender a Jurema como uma forma secundária de religiosidade ou
prática mágico-curandeirística. Embora, não possua ela uma existência autônoma,
ou seja, ela apareça quase sempre relacionada a outras formas religiosas como o
Xangô e a Umbanda, vemos a Jurema como tendo uma importância fundamental dentro
dessas formas de religiosidade.
Nas conversas com o povo de santo, as pessoas
falam que "A Jurema é quem dá o pão de cada dia", ou seja, é das
consultas dadas pelas entidades e dos trabalhos por elas recomendados que vem
grande parte do dinheiro para a manutenção da casa e de seus sacerdotes.
Além disso, mesmo
almejando iniciar-se no culto aos Orixás e/ou aprofundar-se em seus
"fundamentos" (para os que já tenham se iniciado), a grande maioria dos pais de
santo iniciam sua carreira espiritual consultando seus clientes e filhos com as
entidades de Jurema.
"Que a Jurema é quem traz para o Candomblé.
Porque você não vai virar com (...) Oxum pra fazer uma consulta. Totalmente
errado (...) Agora receber Pomba Gira, Exu, Luziara (...) Ela consulta o
consulente e ele sai alegre e satisfeito. Mas já o Orixá, de maneira alguma. É
uma coisa totalmente fina (...) Então a Jurema é mais tranqüila para esse tipo
de coisa." (Pai de Santo, Nação Gêge)
Pensando na
clientela, juntem-se outros fatores que contribuem para a presença da Jurema
nestes diversos espaços religiosos. Para uma pessoa que esteja entrando em
contato com a religiosidade afro-brasileira, a Jurema causa menor estranhamento
do que o culto aos Orixás. As entidades são brasileiras e foram quando em vida
pessoas do povo, as toadas são em português e tanto elas como as conversas com
as entidades versam sobre problemas inerentes ao dia-a-dia: dinheiro, trabalho,
sexo, amor, saúde, etc.. Isso em um contato direto, face a face, com um ser
sagrado14. Além disso, dizem os fieis os
resultados dos trabalhos feitos com as entidades da Jurema, além de mais
baratos, tem um sucesso mais rápido.
"Eu já sou mais apegado com a Jurema, sabe? Não
sou muito apegado com Orixás não. Eu gosto mais do Orixá, mas na hora do
aperreio mesmo eu procuro mais a Jurema. Não sei se eu sinto mais força na
Jurema ou se é a questão que eles falam, né? Sabem conversar então o santo em si
não conversa, o santo chega, faz o que ele tem que fazer e vai se embora. Então,
pra mim, o santo não ajuda outra pessoa, só ajuda os seus próprios filhos.
Agora, a jurema não, a jurema dá pra encarar de um modo diferente. Que ela...
você pede pra falar com um mestre, você concentra, chama o mestre, o mestre vai
ver o que está acontecendo, às vezes não precisa nem falar, se é um bom médium
mesmo. (..) Ele já fala o que é que tá acontecendo e o que precisa ser feito.
Então é isso que me apega mais com a Jurema." (Filho de Santo, Nação
Angola)
Também o uso da bebida, que circula entre homens
e seres divinos, todos bebendo de uma mesma taça, num crescendo de animação,
promovidas pela própria bebida atrelada aos cânticos e danças e pelo contexto
próprio, ou seja, um culto de religação como o mundo espiritual (e com tudo o
que isso possa significar para cada um dos presentes), leva a mobilização da
energia que faz de um aglomerado de pessoas um grupo.
Nesta perspectiva, é de se ressaltar que é o
Culto a Jurema entra como um dos elementos que atrai adeptos para os terreiros
de Xangô e de Umbanda. Não é apenas o brilho das festas que atrai as pessoas
para estas formas de religiosidade. A assistência prestada pelos encantados aos
que a eles recorrem, já levou muitos católicos e mesmo protestantes a, em busca
de alívio para as "mazelas do mundo", se tornarem juremeiros ou
filhos-de-santo. Por outro lado, é nessa rotinização do pensar do grupo - os
ritos - que os padrões de pensar e se comportar são passados para as pessoas que
buscam o culto. A periodicidade com que acontecem, o fato de serem momentos de
sociabilidade, faz das reuniões de Jurema a primeira instância de socialização
dos grupos afro-brasileiros do Recife. É através dela que surge o sentimento de
pertencimento que mantém as pessoas nos grupos. A nosso ver, atrair pessoas e
manter vivo os grupos são o papel destas pequenas festas que são cada uma das
reuniões de Jurema. Momento em que se vem fumar, beber e trocar idéias com os
seres encantados do "outro mundo".
Citações
- Para maiores informações sobre a Jurema entre os povos indígenas do Nordeste, ver Koster, 1972;Hohenthal, 1954; Pinto, 1954; Pirson, 1972; Pereira, 1988; Ferreira, 1989; Pinto,1995.
- Dizem que a Jurema Amarga,
Mas pra mim é um licor
A Jurema e seus frutos
Sempre nos alimentou. - A Jurema, é um pau encantado!
É um pau de `ciência', que todos querem beber.
E se você quer Jurema.
Eu dou Jurema a você! - Cf. Fernandes (1940)
- Salientamos que o tabaco é utilizado no culto não apenas para o fumo, mas igualmente para banhos, ou ainda mascado e aspergido sobre partes do corpo ou objetos rituais, entre outros usos.
- Se para Cascudo (1931) o Juremal é um dos Reinos que compõe o além, para alguns juremeiros de Pernambuco e da Paraíba o Juremal é o conjunto de Reinos que formam o além.
- Ritual que acontece após a morte do juremeiro, quando seu espírito conhece sua moradia nas cidades do outro mundo e tem a permição para baixar nas sessões (Vide Vandazante, 1975).
- Este termo, usado pelos juremeiros para se referir às representações dos encantados no mundo dos vivos, é o mesmo usado pelos xangozistas para se referir às representações materiais dos Orixás nos quartos de santo.
- Tambores.
- Cascudo (1931) interpreta a semente da Jurema como sobrevivência dos sinais das feiticeiras, próprio da magia européia.
- Para uma descrição mais detalhada cf. Cascudo (1931).
- O banquete "profano"
- Dança popular cujo ritmo é próximo, se não o mesmo, do das toadas dos Mestres. As festas dos Mestres masculinos geralmente são denominadas "Coco" (p. ex. "O coco de seu Zé"), enquanto as das Mestras são camadas "Cabarés" (p.ex. "O Cabaré de Carmem").
- No caso do culto aos orixás, o contato com os deuses é mediado pelo sacerdote, em estado de vigília, e seu oráculo de búzios.
Referências
- Maria do Carmo Tinôco Brandão
- Luís Felipe Rios do Nascimento
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