Por: Gregorio Lucio
Toda instituição edificada sob princípios
éticos e morais, promovendo a transformação para melhor daqueles que formam a
sua comunidade, torna-se, obrigatoriamente, em um Ambiente Educativo, Cultural e
Filantrópico, no qual se é dada uma nova proposta e significação para a
existência humana.
Sendo assim, o conjunto de experiências e
atividades que constituem o ensino religioso promovido dentro do Templo, formam
o manancial de sentidos que cada frequentador deve encontrar para a sua própria
jornada, nos diferentes momentos de sua existência.
O templo religioso é uma verdadeira
“escola de almas”.
Ou
seja, ele
deve contribuir para a construção de novos hábitos, para
a modificação de comportamentos arraigados, aprimorando o caráter de seu
frequentador,
fomentando a troca do “homem velho para o homem
novo”,
uma vez que é imprescindível a reforma interior no adepto
para que este esteja integrado a um novo olhar e atitude perante a vida,
os quais lhe serão possibilitados pela vivência religiosa. Assim,
o templo
precisa estar inserido de maneira atuante na dinâmica da vida de relação das
pessoas de sua comunidade, produzindo uma vivência religiosa possível de
ser integrada na realidade de mundo que circunda o seu frequentador.
Quando o templo religioso não provoca
essas modificações ou falha nesse quesito, não realizando um acompanhamento
junto a seus frequentadores e, principalmente, junto aos seus trabalhadores,
permitindo que essa atitude de pequenas ações pela melhora seja postergada
indefinidamente, o efeito disso é a identificação igrejista da
instituição religiosa de Umbanda.
E o que isso quer dizer? Quer dizer que o
frequentador passa a ver o templo somente como um ponto de expressão de seu
sentimento religioso. Um lugar para onde vai, junto com outras pessoas, viver
experiências que ele não percebe como tendo profunda participação no restante de
sua vida diária. Muitas vezes até, essa vivência no templo pode tornar-se
composta de intenções particularistas e momentos absolutamente egoístas, pois
não há vínculos com sentidos mais amplos naquela experiência.
Penso que os templos religiosos, mais
especialmente aqueles pertencentes ao movimento umbandista, devem se preocupar
em oferecer uma possibilidade de vivência interligada à vida cotidiana de seus
adeptos. Porque me parece frustrante e descompensador frequentar-se uma “gira” e
participar-se de um trabalho espiritual, os quais se repetem dia após dia,
conforme ocorre dentro destes templos, e verificar que tais práticas possuem
frágeis conexões com aquilo que vivo e experiencio na minha vida fora do
ambiente religioso. Vê-se, atualmente, no dia-a-dia de muitos templos de
Umbanda, práticas e discursos que encontram-se repletas de crenças mágicas e
imaturas atribuições de expectativas sobre os Guias Espirituais, os Orixás,
Deus... demonstrando pobres e incompletas relações com a realidade psicológica
do ser humano. Quando muito, o que se vê em muitas casas são pálidas tentativas
de se relacionar a vida e seus desafios com alguns poucos minutos de
ensinamentos evangélicos ou ético-morais, de maneira geral, mas que não deixam
de ser lições um tanto superficiais e até desconexas do cotidiano.
O
papel da Instituição Religiosa é, mais do que servir como um lócus
cultural para a expressão do religioso, fornecer um conjunto de
princípios norteadores para a vida. E essa função inerente ao templo religioso
só pode ocorrer por meio da Educação.
Curiosamente, quando falamos de
Educação, observamos um preconceito latente no imaginário das pessoas. O
de que a Educação é algo que só se aplica às atividades da infância e da
juventude. Como se os ambientes e as atividades que são frequentados,
predominantemente, por adultos não necessitassem da aplicação de princípios e
métodos educativos.
A palavra Educação (conforme já
tratamos em outro texto) deriva de dois termos do latim “Educare” e
“Educere”. Educare significa orientar, nutrir, decidir
externamente, direcionando o indivíduo a se transferir, de um determinado ponto
em que se encontra até outro ponto onde se deseja chegar. Educere,
por sua vez, implica num movimento interior, fazendo surgir do intimo do
indivíduo as potencialidades que estão dentro de si e que até então permaneciam
desconhecidas.
Naturalmente, existem variações no método educacional de
cada templo religioso, contudo, aqueles trabalhadores que constituem a direção
da instituição e aqueloutros, incumbidos do ensino, da orientação aos neófitos e
da organização das práticas da casa, devem ter esse olhar cuidadoso para
observarem as expressões dos seus frequentadores e companheiros de atividades,
nunca fatigando-se ao trabalho de corrigir e orientar qualquer
manifestação de comportamento menos feliz ou inadequada, sempre com
tranquilidade, brandura e educação, embora com austeridade.
Os
trabalhadores devem adquirir consciência de seu papel dentro do ambiente
religioso, de acordo com suas atribuições e, aqueles que compõem o corpo da
direção e da organização da casa, devem também assumir a postura e a condição
premente de educadores. Pois, a função do educador é despertar o impulso de
auto-educação do educando. O processo de educação é sempre um processo de
auto-educação. E, acima de tudo, que a atitude do ensino venha sempre
acompanhada do exemplo. Não existe processo de ensino-aprendizagem sem a justa
exemplificação prática.
Porque se meu companheiro pronuncia uma
palavra infeliz ou faz uma piada inadequada e eu dou risada junto com ele, ou
frequento locais onde ele me vê compartilhando de seus mesmos hábitos, como vou
poder corrigí-lo dentro do templo religioso? Aí é que surgem os recursos falidos
da educação, como seja o grito, o gesto agressivo, a palavra que fere e que,
muitas vezes, atinge também aqueles que nada tem a ver com o comportamento
alheio.
Como diria o Espírito Bezerra de Menezes: “Ensinar, mas fazer;
crer, mas estudar; aconselhar, mas exemplificar; reunir, mas
alimentar”.
O adepto deve, então,
encontrar no templo religioso um ambiente consolidado em princípios educativos,
no qual lhe seja possibilitado avançar de um ponto a outro em suas questões
existenciais e produzir modificações interiores, sinalizadas por
momentos simbólicos. A passagem de um grau de iniciação a outro, por exemplo. A
amplitude de sua participação em atividades específicas da casa. Por exemplo,
existem Centros Espíritas e Templos de Umbanda, nos quais não é permitida a
participação do trabalhador que traz determinados hábitos (se fumante, se se
alcooliza, se alimenta-se mal) em trabalhos de saúde e cura. A depender do
comportamento manifesto do adepto (aqui, dizendo mais especificamente em relação
aos trabalhadores da casa) e de como esse empreende a sua modificação (ou não),
o seu nível de acesso as atividades e atribuições dentro templo, ficam mais ou
menos restritos.
Sendo assim, a Educação no ambiente
religioso é a aplicação de um processo sistêmico de inserção e desenvolvimento
de uma série de habilidades e valores no campo psicológico de seus
frequentadores, facultando mudanças positivas, tanto intelectuais, quanto
emocionais e sociais.
Se um um novo filho do
terreiro chega à casa e identifica que o padrão de comportamento
dominante das pessoas é o de se portar de maneira cordata, moderada, respeitosa, denotando hábitos
saudáveis, naturalmente, este se sentirá impelido a proceder da
mesma forma, mesmo que lhe faltem, naquele momento, conquistas mais
profundas neste sentido. Seus hábitos ainda estão arraigados. Suas expressões
grosseiras e impulsivas ainda estão consigo. Seus vícios ainda o inquietam. Mas,
o ambiente não lhe permite expressá-los, contribuindo para que se veja
induzido a ajustar-se a este novo meio, possivelmente, lapidando essas arestas
e, gradualmente, abrindo-lhe espaço para novos hábitos, pensamentos e
comportamentos.
De outra maneira, caso seu
atual nível de consciência ainda não o permita reconhecer o
ambiente e comportar-se adequadamente, naturalmente o ambiente e a
postura de seus irmãos de terreiro o neutralizarão em suas expressões,
porque não encontrará identificação com a qual possa se alimentar,
reforçando-se. Ou, caso não se sinta confortável e suficientemente resoluto em
abraçar essa nova proposta, naturalmente, este indivíduo retrocederá,
permanecendo como frequentador do templo, mas não vinculando-se a
responsabilidades maiores, o que é compreensível.
Agora, se
este filho de fé chega com a sua canga de hábitos, vícios, má formação em sua
educação do lar, etc., e encontra um ambiente onde impera a
indiferença e/ou a omissão daqueles que deveriam servir-lhe como
educadores (ou mesmo quando há a boa intenção de orientar, mas sem a devida
qualificação e métodos para isso), onde ele possa livremente se expressar e,
ainda, contando com companheiros que reforcem esses seus
desajustes, consequentemente, fica muito difícil
(embora nunca impossível) que ela vá se
melhorar, de maneira significativa, a curto e, muito menos, a
longo prazo.
Existe um pensamento de Allan Kardec, que este
utilizou para definir o “autêntico espírita” e que eu julgo oportuno
apresentar:
“Reconhece-se o verdadeiro espírita
pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar as
suas más inclinações” (Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo – cap.
XVII)
Gostaria de pedir licença ao nobre educador
lionês (sim, Allan Kardec era professor e pedagogo) para ampliar essa frase e
colocá-la ao alcance de todo e qualquer religioso sincero e verdadeiro,
incluindo aí a nós, como umbandistas:
“Reconhece-se o verdadeiro
religioso pela sua transformação moral e pelos
esforços que emprega para domar as suas más inclinações”.
Isso porque esse deve ser o resultado positivo
a ser alcançado por todo aquele que pratica uma religião, seja ela qual
for.
Particularmente, não me é
concebível uma pessoa passar décadas num dado ambiente religioso e não se
modificar de maneira profunda, permanecendo com os seus maus hábitos
mais pueris e exteriores. Sempre que isso acontece, automaticamente
evidencia-se um fracasso no processo educativo, mesmo considerando-se a
possibilidade do livre-arbítrio de cada um.
Cito Jesus, como o Educador
Sublime, o qual nos mostra as mais sólidas regras de
Educação.
Vemos, em diversas passagens dos Evangelhos
(Mateus, 12:32, 16:23, 23:27, 52:53; Lucas 3:7, 22:31-32, 17:3, 12:27-28; Marcos
9:19, 14:32-41 e outros) a disciplina e a austeridade de Jesus no
trato para com seus discípulos e inquisidores. Isso nos serve como contraposição
a visão romântica de que o ser “Iluminado”, na condição de mestre e orientador,
é aquele que adota o perfil “bonzinho”, “melífluo” e que “finge
que não está vendo” o que ocorre ao seu redor. Jesus agia com brandura
e doçura para com os ignorantes, doentes e esfomeados, mas em contrapartida,
tratava com severidade e exigência os seus discípulos (pois estes haviam optado
por seguí-Lo e dar testemunho das obras dEle e, por isso, deveriam se portar de
maneira coerente ao seu Mestre). Não há um só momento em que,
observando comentários e atitudes inadequadas de seus discípulos, Jesus
prontamente não os tivesse corrigido e chamado a atenção.
A essência ética da Pedagogia de Jesus
está contida no Amor. Mas não nesse amor revestido de romantismo piegas
de novela, abobalhado.
O amor de Jesus Cristo é verdadeiro e se
expressa como uma postura exigente e que incita a modificação.
Confessar amor a Jesus Cristo está íntima
e obrigatoriamente ligado em assumir uma vinculação integral a uma proposta
ética que lança o individuo a um novo patamar de vida nos seus aspectos
individual e coletivo. Isso é muito diferente deste “Cristianismo
adocicado” (como dizem alguns teólogos) que mistura frases do Evangelho,
conceitos de auto-ajuda e de empreendedorismo norte-americano, conforme andamos
vendo proliferar nos núcleos religiosos cristãos da nossa sociedade.
Ligar-se a Jesus é ter visão crítica e
ética da realidade de si mesmo e daqueles que o cercam, tal qual Ele houvera
tido.
Não é uma postura de acordos ou de trocas com o
mundo, e muito menos com Deus, pela qual eu moldo minha religiosidade e minha
espiritualidade de acordo com aquilo que me é conveniente, sem abrir-me ao
esforço da modificação de meus hábitos arraigados e das minhas falhas
morais.
Olharmos a vida de Jesus, contida nos
Evangelhos, é percebermos que nele há uma constante postura educativa,
repertoriada por diferentes tipos de linguagens. Na Sua ética, não
cabe a conivência com o erro e a mentira, conquanto sempre Ele tivera
também as palavras, os ensinamentos e o convite para que cada um olhasse não só
para as suas debilidades e as chagas morais que todos carregamos, mas também
para os potenciais de evolução de que somos portadores, se, e somente
se, optarmos por abandonar uns e abraçarmos outros. De outra forma,
estaremos sempre em desacordo com a Educação do Cristo.
Vícios e Virtudes não caminham para o
mesmo lado, seguindo sempre sentidos opostos e que levam a consequências
também opostas.
Com Jesus, aprendemos que tolerar e
compreender não é “fingir que não está vendo o erro”. Ser bom “não é deixar de
corrigir e repreender”.
Portanto, não se pode haver uma
permissão, mesmo que tácita, dentro do templo religioso, para que expressões
cristalizadas dos hábitos negativos que “cada um traz de casa” encontrem morada
e se espalhem em um comportamento dominante de seus
frequentadores.
Essas situações, inclusive, concorrem
para que haja a abertura para a entrada, no templo religioso, daqueles seres que
habitam o mundo espiritual inferior e que não querem a melhora real e o
beneficiamento profundo das pessoas, iludindo-as quanto a sua verdadeira
condição interior. Promover o cultivo da ignorância e da acomodação, insuflar
o desrespeito em forma de deboche para com o líder e as regras da casa, a
conversação malsã, são maneiras que os adversários das sombras utilizam-se
para promover o bloqueio espiritual daqueles que se deixam influenciar pelas
suas sugestões, tentando estender o seu raio de ação sobre
todos.
Por isso é que a vivência no ambiente
religioso deve servir justamente para que estas expressões possam ser
objetivamente cerceadas (cortadas), dando a idéia clara para o
frequentador, principalmente se for um trabalhador, de que aquela maneira de se
portar, de falar e até mesmo de se vestir não são bem-vindas, pelo menos
no ambiente interno à Instituição, cumprindo-lhe
adequar-se.
Mesmo não sendo possível e nem
conveniente perquirir e exigir-se o comportamento do adepto em sua vida privada
- no seu ambiente profissional ou no seu lar - resguardando-se à
consciência de cada um a análise sincera para identificar se
aquilo que expressa no ambiente religioso é coerente com o que manifesta em sua
vida particular, é impostergável manter o ambiente interno do
templo a salvo destas ervas daninhas, como as expressões
desequilibradas, desrespeitosas, maledicentes, agressivas, viciosas, relaxadas,
irresponsáveis e irrefletidas de qualquer natureza, que possam
colocar em descrédito a instituição, colaborando para o afastamento daqueles
mais sinceros e interessados, fragilizando - conforme o tempo em que perdurem -
o senso moral de seus frequentadores e, além disso, maculando o nome da religião
e a memória daqueles que tanto lutaram, durante anos a fio, para a consolidação
daquela instituição e de seu trabalho de natureza superior.
Para isso, é imprescindível uma atitude
clara de austeridade e a comunicação constante, sem enfado e nem perturbação, da
não conivência para com posturas inadequadas e situações que desvirtuem a
proposta religiosa do templo.
O Templo não é feito para os Guias, é feito
para as pessoas. Os Benfeitores do Espaço vivem livres pelo Cosmo e não
dependem de quatro paredes. Portanto, mais do que um mero ponto de
convívio social. Mais do que um local onde se presta a chamada
“Caridade”. O templo religioso deve ser colocado a um nível que
seja capaz de dialogar com as aspirações humanas. Discutir a questão da
morte, dos desafios da vida em família, da vida em sociedade, dos cuidados com a
saúde, dos dramas interiores, do papel do umbandista no mundo, da ética
religiosa, etc. Proporcionando assim que o seu frequentador tenha uma
clara percepção psicológica de que a sua atividade religiosa possui conexão com
a sua vida, num todo coerente, exigindo de si uma postura condizente dentro e
fora do ambiente do terreiro.
Saliento que o terreiro deve,
necessariamente, servir como um local no qual o indivíduo encontre uma nova
proposta de vida. Não deve servir, somente, como um lugar para cumprir
meras formalidades da sua vida social-religiosa, mediante a sua presença física
desvinculada da emocional e o descompromissado comparecimento a festejos e
comemorações.
Fraternalmente.
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