por Rubem Alves
Um velho feiticeiro dizia a seu aprendiz que o segredo de sua arte estava em aprender a fazer o mundo parar.
Tal conselho parece loucura, mas vira sabedoria quando nos damos conta de que nosso mundo foi petrificado pelo hábito.
Acostumamo-nos a falar sobre o mundo de uma certa forma, pensamo-lo sempre dentro dos mesmos quadros, vemos tudo sempre da mesma forma, e os sentimentos se embotam por sabermos que o que vai ser é igual àquilo que já foi.
Acostumamo-nos a falar sobre o mundo de uma certa forma, pensamo-lo sempre dentro dos mesmos quadros, vemos tudo sempre da mesma forma, e os sentimentos se embotam por sabermos que o que vai ser é igual àquilo que já foi.
Mas, quando brincamos de faz de conta, é como se o nosso mundo repentinamente parasse à medida que a linguagem, o pensamento, os olhos e o sentimento de outro fazem surgir um mundo novo à nossa frente.
Foi isso que ocorreu às pobres rãs desta parábola, já contada em outros lugares, e que vou repetir:
“Num lugar não muito longe daqui havia um poço fundo e escuro onde, desde tempos imemoriais, uma sociedade de rãs se estabelecera.
“Num lugar não muito longe daqui havia um poço fundo e escuro onde, desde tempos imemoriais, uma sociedade de rãs se estabelecera.
Tão fundo era o poço que nenhuma delas jamais havia visitado o mundo de fora.
Estavam convencidas de que o universo era do tamanho do seu buraco.
Havia sobejas evidências científicas para corroborar esta teoria, e somente um louco, privado dos sentidos e da razão, afirmaria o contrário.
Aconteceu, entretanto, que um pintassilgo que voava por ali viu o poço, ficou curioso, e resolveu investigar suas profundezas.
Aconteceu, entretanto, que um pintassilgo que voava por ali viu o poço, ficou curioso, e resolveu investigar suas profundezas.
Qual não foi sua surpresa ao descobrir as rãs!
Mais perplexas ficaram elas, pois aquela estranha criatura de penas colocava em questão todas as verdades já secularmente sedimentadas e comprovadas em sua sociedade.
O pintassilgo morreu de dó.
O pintassilgo morreu de dó.
Como é que as rãs podiam viver presas em tal poço, sem ao menos a esperança de poder sair?
Claro que a ideia de sair era absurda para as rãs, pois, se o seu buraco era o universo, não poderia haver um “lá fora”.
E o Pintassilgo se pôs a cantar furiosamente.
Trinou a brisa suave, os campos verdes, as árvores copadas, os riachos cristalinos, borboletas, flores, nuvens, estrelas... o que pôs em polvorosa a sociedade das rãs, que se dividiam.
Algumas acreditaram e começaram a imaginar como seria lá fora.
Ficaram mais alegres e até mesmo mais bonitas.
Coaxaram canções novas.
As outras fecharam a cara.
Afirmações não confirmadas pela experiência não deveriam ser merecedoras de crédito, elas alegavam.
O Pintassilgo tinha de estar dizendo coisas sem sentido e mentiras.
E se puseram a fazer a crítica filosófica, sociológica e psicológica do seu discurso.
E se puseram a fazer a crítica filosófica, sociológica e psicológica do seu discurso.
A serviço de quem estaria ele?
Das classes dominantes?
Das classes dominadas?
Seu canto seria uma espécie de narcótico?
O passarinho seria um louco?
Um enganador?
Quem sabe ele não passaria de uma alucinação coletiva?
Dúvidas não havia de que o tal canto tinha criado muitos problemas.
Tanto as rãs dominantes quanto as rãs dominadas (que secretamente preparavam uma revolução) não gostaram das ideias que o canto do pintassilgo estava colocando na cabeça do povão.
Por ocasião da próxima visita, o pintassilgo foi preso, acusado de enganador do povo, morto, empalhado, e as demais rãs proibidas, para sempre, de coaxar as canções que ele lhes ensinara...”
Texto extraído do livro “O que é religião?” (Editora Loyola – 2002)
Texto extraído do livro “O que é religião?” (Editora Loyola – 2002)
Nenhum comentário:
Postar um comentário