segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Depoimento de Pai Rivas

                                      
              Aranauam, Saravá, Axé a todos!



Na última semana, tive o privilégio de poder conversar com meu Pai Espiritual, Pai Rivas, a respeito da Iniciação nas Religiões Afro-brasileiras. Dessa conversa, marcaram-me as seguintes noções, imprescindíveis para quem quer que pretenda ingressar (e permanecer) em uma Casa de Iniciação:

1. Pai Rivas começou salientando a importância capital da confiança do discípulo no Mestre-Raiz. Esse é o vínculo principal, sem o qual não há nem pode haver Iniciação verdadeira. Sem confiar nos desígnios e diretrizes estabelecidos por aquele que representa(ou melhor, presenta e apresenta) a Tradição de forma viva, o que há é apenas um deslumbramento temporário, ainda que se demore por alguns anos e, assim, simule aos olhos mais desatentos ares de fidelidade “eterna”.

Como continuar bebendo de uma fonte no mesmo instante em que se deixa de confiar no fato de que sua água continua sendo pura e boa? E por que fazê-lo?

confiança no Mestre é, portanto, o requisito primeiro, que de início aproxima o discípulo do Mestre, mas que será objeto de contínuas provas ao longo de sua caminhada, porque ela deve se manter ao longo de todo o período de convivência com o Iniciador. No início, a confiança aproxima Mestre e discípulo; a partir daí e para sempre, fortalece a relação entre ambos. 

Quando deixa de existir, o vínculo iniciático se quebra, tal qual a folha se desprende do galho (e, portanto, da raiz), perdendo vitalidade, força, beleza e função.

Muitos vão descobrir, às vezes muito tarde, que já há algum tempo não confiavam mais no Mestre, nem se entusiasmavam mais com suas realizações: deixavam-se ficar pela força do hábito, da inércia e, principalmente, da covardia em reconhecer, para eles mesmos, que passaram tanto tempo “enganados” (por quem mesmo?). Afinal, questionar o Iniciador é questionar a si mesmo, enquanto sustentou (ou disse sustentar) o seu estilo de vida e sua forma de manifestar a Tradição.

Que confiança é essa que existe apenas durante os instantes oportunistas em que o discípulo está satisfeito, na zona de conforto de seus critérios estéticos, morais, rito-litúrgicos etc.? Isso não é confiança e é por isso que o Mestre sempre reatualiza, revigora, transforma e refunde as formas de manifestação da Tradição, para que os menos flexíveis e mais apegados à autoidolatria, que se manifesta na falsa “predileção” por determinadas formas de rito (em geral, tidas por “elevadas”), demonstrem que só estavam ali enquanto suas preferências estéticas e necessidades do ego eram satisfeitas.

2. Além da confiança, é preciso que o discípulo sinta felicidade e entusiasmo em relação ao Mestre, sua forma de condução da Raiz e, principalmente, seu estilo de vida. Essa felicidade e entusiasmo sempre acompanham os verdadeiros discípulos, que se tornam e se mantêm discípulos: o filho sempre admira o Pai e lhe segue o exemplo.

A felicidade e o entusiasmo, por serem consequência óbvia da confiança, só permanecem enquanto essa persiste: aqueles que já não confiam em seu Mestre (e vão ao Templo para “cumprir tabela” e por não terem coragem de tomar uma decisão difícil como a de pedir agô e sair com dignidade), são facilmente identificados por sua postura morna nos Ritos e demais atividades da comunidade espiritual: já ficam meio de lado, com o semblante menos entusiasmado, à parte, observando... Já não estão felizes ali...

Na referida conversa com Pai Rivas, aprendi exatamente isso: as pessoas que estão no Terreiro pelo hábito, e não mais por felicidade, às vezes apenas não têm coragem de ir em busca de sua felicidade em outro lugar, razão pela qual cabe ao Mestre o estímulo para que isso aconteça: o lugar ocupado com infelicidade será, hora ou outra, preenchido por alguém confiante e feliz. A solução é a melhor para todos: o “infeliz” vai em busca de sua felicidade, o lugar que ocupava será preenchido com a felicidade de outro. Todos ficam felizes, cada um a seu modo e no lugar que lhe é próprio.

3. Por fim, depois da confiança (atributo mental) e da felicidade entusiasmada (atributo emocional), resta a militância efetiva(atributo físico).

O discípulo confiante e feliz não se satisfaz com sua confiança e felicidade: ele quer compartilhá-las com o maior número de pessoas, honrando sua Linhagem Espiritual, trabalhando em nome de seu Mestre. É a única forma de retribuição possível e é, aliás, a única esperada pelo Mestre: trabalho.

Eis como se formam as coletividades iniciáticas: confiança, felicidade e trabalho. Também é na falta disso que muitos rompem seu vínculo com suas antigas raízes e vão em busca daquilo que ainda não encontraram: a capacidade de reconhecer naquele que veio antes de nós discípulos (Mestre) a capacidade de nos inspirar confiança, de nos fazer felizes e, sobretudo, de nos dar o privilégio de trabalhar em nome do bem e da verdade.

Quando a folha se desprende da Árvore, já não está mais viva.

Aranauam, Saravá, Axé!

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