Diferentemente das três grandes religiões monoteístas ocidentais (o cristianismo, o judaísmo e o islamismo), a umbanda e o candomblé não possuem uma tradição escrita marcada por um livro sagrado, como a bíblia, a torá e o corão. As religiões retratadas neste artigo possuem uma origem comum, nos ritos africanos, e uma tradição marcada essencialmente pela oralidade e, no caso do candomblé, pelo aprendizado religioso direto por meio da prática cotidiana da religião no terreiro (local onde são realizados os rituais religiosos tanto da umbanda quanto do candomblé).
A cruel escravização de povos africanos em terras brasileiras ocasionou a mistura de povos e culturas diferentes. Em nosso país, fundiram-se a cultura, o sangue e os costumes de povos nativos (indígenas), africanos e europeus. Os africanos trouxeram consigo a prática de cultos religiosos comuns em todo o território africano destinados à gratidão e aos pedidos aos orixás.
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O que são orixás?
Os orixás na mitologia africana são, em geral, divindades que ordenavam o mundo e estavam presentes, de maneira imanente, nas forças da natureza. Nesse movimento surgiram a umbanda, o candomblé (as duas principais religiões afro-brasileiras) e também outras denominações, como a quimbanda e o xambá. Como mostraremos neste texto, apesar das semelhanças entre as duas religiões por causa da mesma raiz, elas possuem grandes diferenças.
Candomblé
O candomblé é mais antigo e está muito mais próximo dos ritos africanos, pois é uma junção mais pura e direta dos diversos cultos africanos trazidos pelos negros escravizados. Estima-se que surgiu na Bahia e espalhou-se, primeiramente, por terras nordestinas. Os rituais do candomblé são muito mais parecidos com os rituais africanos, com batuques, danças e oferendas. Como advém de povos diferentes, essa religião não é praticada de maneira única e possui, ao menos, quatro denominações diferentes:
- Ketu, de tradição yorubá, dos povos nagô;
- Jeje, de tradição fon, dos povos jeje;
- Bantu, de tradição bacongo, dos povos angolanos;
- Caboclo, junção das entidades africanas e dos espíritos cultuados pelos povos indígenas;
Nos rituais do candomblé, são feitas oferendas (geralmente comidas típicas) para agradar aos orixás, acompanhadas de batuques e dança. As batucadas e os cantos que acompanham a música variam de acordo com a origem da denominação em prática no terreiro. Os ketus, por exemplo, têm cantos entoados em yorubá (língua dos povos daquela etnia), enquanto os bantus (angolanos) entoam cânticos em bantu bacongo.
No candomblé, não é comum a prática de incorporação ou da mediunidade. Os rituais em terreiros são espécies de festas em oferta, com comida farta, música e dança, o que na crença dessa religião atrai os espíritos ancestrais e os orixás. As pessoas presentes nesses rituais, quando iniciadas na religião, entram em uma espécie de transe e dançam de acordo com os seus orixás de cabeça (o orixá que guia a vida de cada pessoa). O sacerdócio nos terreiros de candomblé é exercido pelo Babalorixá (caso seja um homem) ou pela Yalorixá (caso seja uma mulher). Ao contrário da umbanda, os cultos dessa religião não utilizam drogas, como tabaco e álcool.
A mitologia africana aponta, além dos orixás, a existência de um deus soberano, chamado de Olódùmarè. Quanto aos orixás cultuados, a quantidade varia de acordo com o tipo de candomblé. Em geral, há em torno de dezesseis ou vinte orixás, cada um com sua qualidade e especificidade. Os candomblecistas acreditam na imortalidade da alma e na reencarnação.
Umbanda
Nascida no Brasil em 1908 por meio de um jovem chamado Zélio Fernandino de Moraes, a umbanda (palavra originada do dialeto quimbunda que significa curandeirismo ou arte da cura) é uma religião afro-brasileira que sincretiza elementos dos cultos africanos com elementos das religiões indígenas, do catolicismo e do espiritismo kardecista.
Conta a história que Zélio Fernandino começou a apresentar um comportamento estranho, no qual parecia imitar um velho dizendo palavras ininteligíveis. Preocupados com o jovem, seus familiares levaram-no ao médico, que recomendou a visita a um padre. A família, porém, levou-o a um centro espírita, onde foi detectada a incorporação de um espírito que se autodenominava o Caboclo das Sete Encruzilhadas. A partir daí, o espírito começou a dar instruções sobre o que deveria ser feito, dando início à prática da umbanda.
Por ser uma religião sincrética, a umbanda acredita na existência de um deus soberano chamado Olorum (equivalente a Olódùmarè), mantém uma relação de crença em relação aos orixás, porém diferente da crença candomblecista. Acredita na imortalidade da alma, na reencarnação e no carma, além de cultuar entidades, que seriam espíritos mais experientes que guiam as pessoas.A figura dos orixás aparece para os umbandistas como uma energia natural que é acessada pelos espíritos guias (as entidades) e passada por meio desses espíritos às pessoas. Um dos principais marcos cristãos presentes na umbanda, herdado do catolicismo e do espiritismo kardecista, é a prática da caridade. Na umbanda, somente quem pratica a caridade incondicionalmente é capaz de evoluir o seu espírito.
Os umbandistas, em seus rituais, tocam batuques e cantam cânticos sagrados em português, além de receberem incorporações (por meio dos médiuns) das entidades, que têm o poder de curar, aconselhar, avaliar e modificar a vida das pessoas. Por ser uma religião de crença bastante imanente, os espíritos ou entidades têm uma ligação muito forte com a vida terrena, por isso, apresentam predileção por vícios, como fumo de cachimbo, charuto, cigarros e álcool, para realizarem o que chamam de trabalho (a incorporação no terreiro durante o ritual). O sacerdócio em terreiros de umbanda é exercido pelo Pai de Santo (caso seja homem) ou pela Mãe de Santo (caso seja mulher).
A umbanda também não é composta por uma vertente única. Após a sua disseminação por meio do médium Zélio Fernandino, várias vertentes diferentes começaram a aparecer. Em 1939, foi fundada a União Espírita de Umbanda do Brasil (UEUB), que institucionalizou essa religião, tornando-a mais consolidada teologicamente que o candomblé. A partir de então, a UEUB passa a organizar congressos de umbanda no Brasil, o que estimula o estudo e o fortalecimento da doutrina umbandista.
Na umbanda, são cultuados nove orixás (Oxalá, Ogum, Oxossi, Xangô, Iemanjá, Oxum, Iansã, Nana Buruquê e Obaluaê/Omulú. Esses orixás representam as chamadas sete linhas da umbanda e, como foi dito, não há nos rituais um trabalho direto com os orixás, mas sim com as entidades, que são espíritos classificados de acordo com suas características, da seguinte maneira:
- Exus e Pombagiras: são mensageiros dos orixás (exu é o masculino, e pombagira, o feminino) – há um equívoco na interpretação dessas entidades, pois algumas tradições cristãs associaram-nas ao demônio. O candomblé também trata Exu de maneira diferente, pois, em sua crença, Exu é um orixá, e não uma entidade;
- Caboclos: espíritos de índios, tanto guerreiros quanto curandeiros (pajés);
- Preto-velho e preta-velha: espíritos de escravos e escravas brasileiros, velhos e sábios;
- Erês (crianças): espíritos de crianças, puros e alegres, mas também dotados de alguma sabedoria;
- Baianos, marinheiros, malandros e boiadeiros: são entidades das chamadas linhas auxiliares, por algumas vertentes, ou de linhas regionais (a umbanda sofre diferenças de acordo com a localidade em que o terreiro está situado).
Relação dos orixás com os santos católicos
Os orixás, cultuados tanto na umbanda quanto no candomblé, foram associados por adeptos dessas duas religiões aos santos católicos. Isso porque durante, o período colonial, quando os primeiros africanos foram raptados e trazidos para terras brasileiras como escravos, a religião oficial da colônia era o catolicismo e qualquer ritual pagão era duramente coibido. Para cultuarem seus orixás, os africanos foram aprendendo a disfarçar seus rituais, criando um código onde cada orixá fosse representado por um ou mais santos do catolicismo. Assim, Iemanjá, por exemplo, era representada por Nossa Senhora da Conceição; Xangô, por São João; Ogum, por São Jorge; Oxalá, por Jesus etc.
Conclusões
A umbanda e o candomblé não são religiões puramente africanas, mas de matriz africana e fundadas no Brasil. Apesar de uma raiz em comum, o candomblé está mais próximo dos cultos africanos, por ter sido mais preservado, não se misturando tanto com outras religiões.
Nos ritos do candomblé, são celebradas as energias trazidas pelos orixás, que provocam um efeito de transe nos adeptos dessa religião, que dançam em meio a cantos, batuques e comida oferecida aos orixás.
Já a umbanda misturou, de maneira mais visível, catolicismo, espiritismo e o candomblé, fundando uma doutrina baseada em ideais dessas três religiões distintas. Por ter sido mais difundida, a umbanda consolidou-se melhor enquanto doutrina e instituição religiosa, o que a fortaleceu no Brasil.
Por Francisco Porfírio
Graduado em Filosofia
Por Francisco Porfírio
Graduado em Filosofia
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PORFíRIO, Francisco. "Diferença entre o candomblé e a umbanda"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/religiao/diferenca-entre-candomble-umbanda.htm. Acesso em 02 de julho de 2020.
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