sexta-feira, 24 de julho de 2020

Texto de Rubens Saraceni sobre O príncipe das Trevas> Organizado por Alexandre Cumino.

|   TEXTO |

O Príncipe das Trevas na Obra de Rubens Saraceni 

- organizado e comentado por Alexandre Cumino -
"portanto que cada um fique com os “demônios” que criaram para si e para suas religiões"


Lúcifer, Satanás, Capeta, Demônio, Belzebu, Tinhoso, Chifrudo, Coisa Ruim, etc... O que seria isto dentro da Umbanda?
A Umbanda não crê em demônio, da forma como foi idealizado no Cristianismo, no entanto muitas vezes nos deparamos com mistérios negativos assentados nas trevas e nos questionamos acerca de nossa ignorância sobre os mesmos. 
Lendo a obra psicografada por Rubens Saraceni nos deparamos muitas vezes com estes mistérios da criação. Em A Evolução dos Espíritos tomamos conhecimento de um Avatar, um Demiurgo, que em uma era desconhecida para nós, talvez a mítica Atlântida, que encarnou e chamou a si todos os filhos de Deus negativados para recolherem-se com ele nas faixas negativas do astral. 
Esta seria uma forma de entender o mítico Lúcifer-yê, um mistério assentado nas Trevas para recolher os que ficam pelo caminho.
No Cavaleiro da Estrela Guia nos deparamos com “O Próprio Ser Infernal” que invade a “Assembléia Sinistra” com o objetivo específico de levar consigo o Cavaleiro, que mergulha na dor e nas trevas.

Nas palavras do Cavaleiro:
O que me aconteceu? O horror, o pavor, o medo, a angústia, a aflição, o desespero, a loucura, o remorso, a tentação, a luxúria, o desejo, e muitos outros mistérios das trevas da ignorância se fizeram vivos no meu mental: tanto superior quanto inferior. Todo o meu ser imortal foi violado e violentado. O horror de me ver sendo levado pelo próprio senhor dos horrores. O medo do que me aconteceria. A angustia por não saber se voltaria à Luz. A aflição por meu estado enérgico que se enfraquecia a cada instante. O desespero pelas dores horríveis que sentia ao ser torturado cruelmente. A loucura pelas visões horrendas que tive. O remorso ao ter, diante de meus olhos, todos os meus fracassos diante da lei na execução de determinadas tarefas. A tentação, ao ter meu mental inferior ativado ao máximo por aquele que tem a chave de acesso a ele. A luxúria ao dar vazão a tentação, ampliada em muito na sua intensidade. O desejo ao ver, ainda que ilusório, o ser dos meus encantos e desejos. 
A tudo eu ouvia, via ou reagia com uma observação apenas: eu sou você e você é parte de mim...

[...] Então, em um último esforço, criei em meu mental o vazio absoluto...
A voz do silêncio... eu tornei a ouvi-la, no meu vazio absoluto, dizendo: “Se você morrer por mim, eu, o seu Criador, irei revivê-lo em mim, pois só eu sou a Vida, o resto é apenas um meio de vida  da Vida. Eu sou a Vida, e quem vive em mim, por mim e para mim, jamais morrerá...
[...] Minha prova havia terminado. Um dia meu ancestral místico me havia dito: “Um dia eu testarei seu amor por mim”. Este havia sido o dia... E foi este amor que me resgatou da queda nas trevas do mental inferior...

No Guardião da Meia Noite a mesma história se passa por outro prisma, no qual é ressaltado o compromisso que todos os guardiões assumem, após a queda do Cavaleiro e sua posterior reencarnação. 
No título Guardiões dos Sete Portais, Lúcifer-yê aparece muitas vezes como o mistério da ilusão, aquele que abençoa amaldiçoando e que amaldiçoa abençoando, pois se apresenta invertido na criação. Acompanhamos uma luta milenar travada entre o Cavaleiro da Estrela da Guia junto aos Guardiões, contra Lúcifer-yê e os caídos nas trevas humanas. Fica claro, no entanto, que tem uma importância maior a presença de Lúcifer-yê e seu mistério nas faixas negativas.
No Guardião das Sete Encruzilhadas podemos ler as palavras de Lúcifer-yê, em desabafo dirigido ao Criador, a quem ele diz amar, adorar e venerar. Abaixo coloco apenas uma parte de seu “desabafo” de forma editada:
-Por que, meu Senhor? Por que tinhas de me enviar até este abismo da perdição humana? 
Por que logo eu, que tanto vos amo, adoro e venero, tinha de ser o escolhido para ser o catalizador, absorvedor e acumulador das energias geradas por todos os espíritos humanos viciados? Por que, meu Senhor? Não vedes que eles, os humanos nunca vão aprender...
[...] Senhor meu, eu vos amo, respeito, adoro e venero, e, no entanto sou tão incompreendido pelos servos do meu irmão do alto! Eles não entendem que se sou como sou é porque assim são os semelhantes deles que não vos amam, veneram, adoram e respeitam, e que por vós são enviados ao meu reino sem luz com todos os vícios humanos, os quais tornam meus domínios depósitos da escória humana. Eles não sabem que só odeio quem vos despreza; só persigo quem se afasta de voz...
[...] Por que vosso servo do alto não diz a eles como realmente sou, quem eu sou e por que sou como sou?

E agora, quase dez anos depois, com a publicação do recém lançado Cavaleiro do Arco Íris, temos uma conclusão com relação a este mistério na criação, que se revela num diálogo travado entre o Cavaleiro e o Príncipe das Trevas, como vemos abaixo:

- Descobriu quem sou eu, Mago da Vida?
- Se não estou enganado, é aquele que chamo de Príncipe das Trevas. Estou certo?
- É assim que me concebe, mago da Vida?
- É assim que o idealizo e concebo, já que reina absoluto nos domínios sóbrios da face escura do Senhor das Trevas.
- Não acha melhor uma concepção menos humana, Mago da Vida?
- Nem pense nisso, Príncipe das Trevas.
- Por que não? Uns me concebem e idealizam como um cão infernal, outros me imaginam como uma hidra ou um dragão, ambos assustadores. Já me idealizaram e conceberam de tantas formas que só a criativa imaginação humana é capaz de tanto, sabe?
- Sei, sim. Por isso o idealizo e o concebo como príncipe, Príncipe das Trevas!
- Tem certeza de que não me prefere como a tenebrosa, assustadora e maldita serpente das trevas , à qual você vinha combatendo desde que se humanizou e idealizou-me e concebeu-me como a traiçoeira e peçonhenta serpente das trevas?
- Nem pense nisso, príncipe! Já chega de combater serpentes.
- Mas foi você mesmo que semeou essa minha concepção no meio humano, Mago da Vida!
- Eu fiz isso?
- Fez, sim.
- Essa não! Deve ter sido por causa dos meus ancestrais irmãos venenosos e traiçoeiros, sabe?
- Eu sei?
- Não sabe?
- Eu deveria saber, Mago da Vida? Afinal, venenosos e traiçoeiros são seus asquerosos irmãos ancestrais, não eu, que só tenho recolhido-os em meus domínios e contido suas iras e fúrias com os tormentos que eles criaram para si mesmos.
- Essa não! Só agora você me revela isso, irmão Príncipe das Trevas?
- O que foi que eu revelei, irmão Mago da Vida?
- Que você assume a condição com a qual o distinguimos em nossa imaginação, e depois plasma o tormento que é em si mesmo, já segundo nossa concepção e idealização. E daí em diante se nos mostra tão tormentoso e assustador como imaginamos que deva ser, oras!
- Você não sabia que eu era, e sou assim?
- Agora sei, irmão Príncipe das Trevas.
- Que Mago da Vida estúpido que você era, não?
- Sem ofensas, príncipe. Não vamos baixar o nível de nossa conversa, certo?
- Tudo bem, Mago. Mas que você foi um estúpido em comparar-me aos seus venenosos e traiçoeiros irmãos ancestrais, isso foi, certo?
- Ponto para você, príncipe. Eu real-mente fui um estúpido quando acreditei que aqueles safados eram você. Mas ago-ra não me enganarão mais, sabe?
- Porque acha que eles não o enganarão, se são uns enganados enganadores?
- Bom, eu já o idealizei e concebi como o Príncipe das Trevas, que aos meus olhos só se mostrará como escuridão, nunca como uma aparência desumana. Portanto se alguma sombra mover-se no meio da escuridão, com certeza não será você porque é ela em si mesmo, e não o que se move dentro dela.
- Que sábia descoberta, Mago da Vida. Já estou deixando de vê-lo como um estúpido e achando-o um sábio.
- Eu, um sábio? Nem pense isso, príncipe. Sou só um modesto aprendiz dos vastos mistérios da Criação. Agora, você sim, é um sábio que tem muito o que me ensinar sobre seus domínios ocultos pela escuridão do seu mistério, que é você em si mesmo.
- Você está me idealizando como um sábio, Mago da Vida?
- Já o idealizei como sapientíssimo Príncipe das Trevas, que certamente me instruirá em como devo proceder com meus astutos, traiçoeiros e venenosos ir-mãos ancestrais que se ocultaram na sua escuridão. Com certeza de agora em diante eles não ficarão invisíveis aos meus olhos porque os diferenciarei de você mesmo, já que você é a escuridão e eles são as sombras ou as formas desumanas que vivem, habitam e se movem em seus domínios. Com certeza caso eu venha a ser confundido por eles, você imediata-mente me alertará e instruirá sobre como proceder em seus domínios e como anular as ações intentadas por eles.
- Essa não, Mago da Vida!!!
- Esse sim, Príncipe das Trevas...
[...] Você disse que me ama e estima, respeita e confia e até me tem na conta de um nobre príncipe!
-  É isso mesmo. Eu descobri sua razão de existir como parte do todo e encontro nobreza no seu modo de atuar, pois não atua de outro modo e forma que não a desejada por quem o idealiza, concebe e concretiza. Só um nobre é tão generoso, e só um concede o que dele desejam, ou estão aptos adquirirem, assumirem e sustentarem. Um nobre não nega algo se o que lhe foi pedido é justo, e não impõe nada a ninguém se for violentar sua natureza ou contraria seus desejos mais íntimos, sabe?
- Agora sei, Mago da Vida. Já estou me sentindo um nobre príncipe regente dos vastos domínios escuros do Senhor da Trevas. E, para ser sincero, até estou me sentindo melhor nessa sua nova idealização e concepção humana do que eu me senti na concepção anterior, quando você me idealizou como uma asquerosa e traiçoeira, venenosa e ardilosa serpente, sabe?
- Agora sei, Príncipe das Trevas!...
[...] - É isso, Mago esclarecido. Eu não tenho a iniciativa em nenhum campo. A mim compete unicamente a reação a todas as iniciativas incorretas. Se uma religião disser que um determinado procedimento é um pecado, quem proceder segundo ela indicou estará pecando e provocará uma reação de minha parte. E se a reação é ir para o purgatório, o pecador irá para o purgatório. Se indicar que deve ir para o inferno, então irá para o inferno. E assim por diante.
Eu sou um mistério que só adquiro existência a partir das ações contrárias à vida. Mas, quando cessam as ações e as causas delas, cessa minha atuação na vida de quem me ativou em sua existência.
- Acho isso tudo de uma lógica e grandeza única, nobre e esclarecedor Príncipe das Trevas.

Este desfecho para as aparições do Príncipe das Trevas na obra de Rubens Saraceni, revela algo muito especial no que diz respeito à compreensão dos mistérios, no caso deste em específico e de outros que seguem o mesmo modelo. Creio que algo semelhante se dá com o Mistério Exu, por exemplo, pois quando se concebe Exu como algo positivo ele se mostra de forma positiva, ao concebê-lo de forma negativa ele se mostra de forma negativa. Muitos crêem que Exu deve ser agressivo, falar impropérios e expor as pessoas ao ridículo, o resultado é que muitas entidades assumem esta carapaça para se enquadrar na expectativa de quem o evoca. É claro que nem sempre quem responde a este chamado são as entidades de Lei. 

Pelo que entendemos aqui o Príncipe das Trevas está muito longe da concepção e idealização do “demônio” católico ou evangélico, portanto que cada um fique com os “demônios” que criaram para si e para suas religiões. Pois o único e verdadeiro demônio em nossas vidas somos nós mesmos quando caminhamos movidos pelo Ego.

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