sábado, 5 de maio de 2012


CAPÍTULO 10 - APARÊNCIAS E REALIDADES


Novo modo de conceber e encarar a vida. A alegria de quem compreendeu. Não julgar para não ser julgado.


Minha maior satisfação foi a de ter descoberto que o mundo é regido pela sabedoria, bondade e justiça de Deus, conclusão a que chegamos no capítulo an­terior. Mas, se tudo é regido por Deus, o universo é u'a máquina perfeita e o nosso mundo não é só o que pode parecer, isto é, o reino da desordem e do mal. Há uma realidade diferente para além das apa­rências. Minha grande satisfação foi o ter descober­to essa outra realidade. Olhando em profundidade, cheguei a ver que o pior está na superfície e que, debaixo dessa, se encontra um outro mundo regido por uma outra lei, feita de sabedoria, justiça e bondade. Esta lei é a Lei de Deus, que da profundidade tudo dirige. Este é o terreno de pedra resistente onde se pode construir sem perigo de enganos. Esta é a fon­te que pode saciar quem tem sede de justiça, de bondade e de verdade. Então, a vida não é um caos de lutas desordenadas, onde há lugar só para os mais fortes, que costumam vencer de qualquer modo, mas é um lógico e justo trabalho de experiências, é um caminho dirigido para nossa felicidade. Realmente, não vivemos ao acaso, abandonados a nós mesmos, perdidos neste imenso universo desconhecido, mas temos um Pai nos Céus, o Qual, se com a Sua Justiça golpeia os maus, fazendo-o para o bem deles, também recom­pensa os bons, que merecem. Podemos contar com Ele e n'Ele confiar. Ele mantém sempre Sua palavra, que está escrita na Sua Lei, e concede-nos o que tivermos merecido. Ele vela por todos nós. Temos pois, Alguém que defende nossa vida e que está pronto a ajudar a todos, bons e maus, para levá-los ao bem e à felicidade. Somos elementos constitutivos e cida­dãos dum universo orgânico, em cujo seio a Lei coor­dena nossa vida em relação a todos os outros ele­mentos, todos irmanados em função do mesmo prin­cípio central diretor, orientados e impulsionados para a mesma finalidade, que é a salvação universal.

Vemos assim que, em realidade, a injustiça é fe­nômeno transitório e de superfície. Quem verdadei­ramente manda é Deus, isto é, o bem, e as próprias forças do mal acabam trabalhando apenas em função do bem. E, se é Deus quem manda, quem na rea­lidade reina e tem de vencer, não o faz pela força, mas sim pela justiça. Não há força que possa impor­-se violando esta Lei. Mais cedo ou mais tarde, cada um acaba recebendo o que merece. A revolta con­tra a ordem, permitida por Deus, não consegue, como o homem quereria, subverter essa ordem para sua vantagem, mas só o arrasta para seu dano. Como quem faz o bem tem de receber sua recompensa, assim, quem faz o mal tem de pagar com seu sofri­mento.

Esclarecer tudo isso, como estamos fazendo, se representa um aviso para os maus, não há dúvida que constitui um grande consolo para os bons. Des­loca-se assim completamente o conceito da vida. O mais forte é Deus e quem está junto d'Ele, porque vive conforme Sua Lei. O verdadeiro poder não está nas mãos dos prepotentes e astutos, como parece ao mun­do. Coisa incrível para quem não sabe ver além das exterioridades. O poder está nas mãos dos honestos que, pelo fato de obedecerem a Deus, com Ele cola­boram e são por Ele protegidos. Podemos, assim, ter confiança na vida porque ela está sempre bem di­rigida por Quem tudo sabe, mesmo quando ela se encontra repleta de ignorância; está bem comanda­da pela divina bondade, mesmo quando somos maus; está sempre dirigida para o nosso bem e felicidade, mesmo quando vivemos na dor.

Quanta luz e alegria de otimismo pode espalhar ao redor de si quem compreendeu tudo isso! E quem se sente alegre não pode renunciar a satisfação de comunicar aos outros esta sua alegria. Por isso, nun­ca nos cansaríamos de explicar estes conceitos, de de­monstrar e confirmar estas verdades, para que os ou­tros também tomem parte nesta festa. Alegria ne­nhuma é completa se não e compartilhada com os outros. Vamos assim, sem querer, explicando sempre mais o conteúdo da nossa obra e seu objetivo. Nossa luta é só para vencer o mal que inunda o mundo, com as armas da inteligência, da sinceridade e da bondade. É para oferecer de graça o produto que parece faltar-lhe mais, isto é, um meio de orientação para aprender a viver com mais inteligência e me­nos sofrimento.

Quem conseguiu compreender tudo isso e viver olhando para Deus, concebe tudo de maneira diferente, torna-se outro homem e, como se houvesse des­coberto um outro mundo, nele vive uma outra vida, mais satisfeita, ampla e poderosa. Desfaz-se, então, para ele o jogo das ilusões humanas, em que tantos acreditam com fé inabalável, e atrás delas aparece outra realidade, que nos explica a razão pela qual existe e temos de suportar esse jogo. Por outras palavras, vive-se de olhos abertos, compreendendo o motivo porque tudo acontece. Vive-se orientado a respeito da conduta a seguir e das finalidades da vi­da. Quando, por ter evoluído, cai o véu da ignorân­cia que nos impede de ver esta outra realidade, então se compreende que fazer o mal aos outros, acreditan­do ser possível levar vantagem, é loucura que não tem o alcance desejado. Auferir lucros por esse cami­nho pode parecer possível só para quem está ainda mergulhado na ignorância, própria dos níveis infe­riores da evolução. O que de fato acontece é que quem espalha veneno o espalha para todos e para si também. Assim quem faz o mal, acaba fazendo-o também a si mesmo.

Não há somente um funcionamento físico e dinâ­mico, mas também um funcionamento moral e espi­ritual do universo, com as suas leis exatas e fatais, como são as leis do plano físico e dinâmico que a ci­ência estuda. O universo em que moramos, está construído de maneira tal, que seria grande erro di­zer que um determinado dano não nos interessa por não ser nosso. Não é possível isolar-nos de coisa al­guma no universo. Queiramos ou não, estamos irma­nados a força no mesmo mundo, respirando todos uma mesma atmosfera de fenômenos, sejam físicos, dinâmicos ou espirituais, - entrelaçados entre si, - de maneira que qualquer movimento ecoa e se re­percute em todos os sentidos, e não pode parar, en­quanto não atingir seus últimos efeitos. Não existem compartimentos estanques, divisões absolutamente trancadas, que possam parar uma vibração, uma vez que esta seja posta em movimento. Não é possível construir paredes suficientemente fortes que possam separar seres feitos da mesma vida e sujeitos à mes­ma Lei, paredes capazes de isolar a nossa vantagem da vantagem dos outros, ou nosso dano, do dano dos outros. Tudo, enfim, se precipita na mesma atmosfe­ra, de onde cai a chuva para todos.

É verdade que em a natureza existem prepotên­cia e parasitismo, e a vida os permite e os aceita. Mas, por quê? A vida age assim, não para vantagem do vencedor, mas da vitima, e por este caminho, lu­tando, lhe ensina a conquistar para si o seu lugar no mundo. Assim, acontece que, quando a vítima apren­de a lição sob os pés do vencedor, lição que este mes­mo lhe ensinou com o exemplo, esmagando-o, ela se rebela; então o escravo, se puder, escraviza o patrão. Mas, quem foi que doutrinou e adestrou os subordi­nados, mostrando-lhes este caminho? É assim que a prepotência, filha da injustiça, dá fruto até certo pon­to e essa superioridade e predomínio duram enquan­to ensinam. Isso é de fato o que vemos acontecer no mundo. O que sustenta tanta luta é tão-somente a antevisão da vitória. E a razão dessa luta contínua é o fato de ela, em si, constituir uma escola para de­senvolver a inteligência, até se chegar a compreender que a vitória antevista é uma ilusão. Mas, na ver­dade, serviu como estímulo, para que o indivíduo al­cance o objetivo da vida, que é o progresso.

O homem foi sempre vítima de enganos dos sen­tidos e de sua mente, enganos que o levaram a erradas interpretações dos fatos. Acreditou-se já na solidez e indestrutibilidade da matéria; acreditou-se que o Sol girava ao redor da Terra e não a Terra ao redor do Sol; que a Terra era imóvel; e, assim, em muitas outras coisas. Só agora começa o homem a perceber quão enganadora é a aparência das coisas e que a verdade é outra, embora ainda esteja escondida bem profundamente. De quantas ilusões psi­cológicas temos ainda que libertar-nos! Isto sobretu­do no terreno intelectual, porque é nosso intelecto o meio por intermédio do qual percebemos e concebe­mos tudo. O que condiciona nossos julgamentos e idéias em todos os campos é a natureza, as capaci­dades e o desenvolvimento do intelecto. Cada ser não pode viver senão em função da compreensão que possui. Assim, muitas vezes aceitamos como ver­dades absolutas, axiomáticas, idéias que são frutos da nossa forma mental, e que a ela respeitam. É neces­sário um controle contínuo, e saber olhar em profun­didade, para se chegar a compreender a falsidade de tantos conceitos que cegamente aceitamos e que dirigem nossa vida.

Cada um julga com os elementos que possui. Quanto mais somos ignorantes, menos elementos pos­suímos, e quanto menos elementos possuímos, mais rá­pidas e absolutas são nossas conclusões. Ao contrário, quem possui mais conhecimento e, com isso, mais ele­mentos para julgar, não chega a conclusões simplis­tas, rápidas e absolutas. Logo, quem mais se aproxi­ma da verdade é quem julga lentamente, sem abso­lutismo, mas com profundidade. Então, quem julga, lançando seu julgamento sobre os outros, em última análise julga a si mesmo, e com seu julgamento, se revela. Pelo fato de ele não poder julgar senão con­forme seu tipo de pensamento e natureza, com o seu julgamento são descobertos seu pensamento e sua natureza. A melhor maneira de se chegar a conhe­cer uma pessoa é a de observar os seus julgamentos a respeito dos outros. Quando alguém cai na ilusão de supor que, julgando os outros, está assim pondo­-os a descoberto e colocando-se acima deles, na rea­lidade, apenas se está submetendo a julgamento, descobrindo-se e mostrando a todos seus próprios defeitos.

O mundo em que vivemos é muito diferente do que aparece por fora, daquilo que a maioria julga ser real. Quem faz o mal aos outros o faz a si mesmo, quem julga está sendo julgado; apesar da tentativa do homem de contraverter a lei da justiça para sua vantagem, a justiça o vence, se assim ele o merecer. E desse modo, sempre. Esta é uma constatação que estamos fazendo. Mas, a essa altura, poderíamos perguntar; como é possível tudo isso, como acontece essa retificação, qual é a mecânica desse fenômeno?

É tudo devido à Lei, cuja presença nunca nos cansaremos de salientar. E presença da Lei quer di­zer presença da vontade viva e ativa de Deus. O Pai nosso que está nos céus não está ausente do nosso mundo, indiferente à nossa vida, vida que de súbito acabaria se não fosse sustentada por Ele, pela Sua viva presença. Dentro da Lei ou Vontade de Deus, o homem é livre de movimentar-se, embora dentro de limites marcados. Por isso, dentro desses limites, ele pode agir de maneira diferente da que manda a Lei. Nasce então, quando o homem não age de maneira concorde com a Lei, a luta entre ele e Deus, um cho­que de vontades: por um lado, a da criatura rebelde, para inverter tudo, de tudo tornando-se centro e dona, o que seria o caos, a destruição e a morte; e, por ou­tro lado, a vontade de Deus, para endireitar tudo, per­manecendo Ele centro e dono, - o que é a ordem, a salvação e a vida.

Se a vontade de Deus, escrita na Lei, não retifi­casse a todo o momento o desvio que o homem tenta realizar, fora do caminho certo, tudo acabaria na desordem. Na verdade, seria absurdo que a criatura pudesse substituir-se ao Criador na direção dum mun­do cujas leis profundas, escapam à sua inteligência. Se a vida do homem não fosse dirigida por uma men­te superior a dele, como organismo físico, como estru­tura social, desenvolvimento histórico, como ascese es­piritual - tudo no mundo teria fracassado há muito tempo. Se tudo o que significa rebeldia do homem à Lei não fosse continuamente corrigido e devidamente ori­entado na direção certa para a salvação final, como po­deria esta ser atingida, como tem absolutamente de o ser? Certamente não é o homem que pode dirigir o navio da humanidade através do oceano do tempo. Ele está perdido nos pormenores do momento, nas suas lutas e interesses particulares. Falta-lhe a visão para se orientar no caminho dos milênios.

Assim, a Lei, trabalhando de dentro para fora, da profundidade para a superfície, vai sempre suprin­do os gastos que na vida se verificam, emendando os erros, retificando os desvios da criatura inexperi­ente. É a vontade de Deus que salva tudo e não a vontade do homem. É ela que na justiça final reequi­libra a injustiça do mundo; é ela que na sua ordem corrige a desordem, que com a sua inteligência diri­ge nossa ignorância, que com a sua bondade cura e elimina nossa maldade; que, educando-nos, anula nossos erros com o sofrimento, levando-nos para a felicidade. Esse fenômeno é devido ao que se chama imanência de Deus, Que não existe  só, transcenden­te, nos Céus, mas também, presente, entre nós. Se assim não fosse, quem poderia salvar o mundo? Tu­do estaria perdido. É a presença d'Ele que impulsio­na e dirige a evolução, reorganiza o caos, reconstrói o edifício despedaçado, fazendo retomar todos os ele­mentos à sua unidade, o mal ao bem, as trevas à luz.

A essa altura, ergue-se com mais força ainda a pergunta que surgiu anteriormente: como acontece essa retificação, qual é mais exatamente a técnica de funcionamento desses fenômenos?

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