CAPÍTULO 10 - APARÊNCIAS
E REALIDADES
Novo modo de conceber e encarar a vida. A alegria de quem compreendeu.
Não julgar para não ser julgado.
Minha maior satisfação foi a de ter
descoberto que o mundo é regido pela sabedoria, bondade e justiça de Deus,
conclusão a que chegamos no capítulo anterior. Mas, se tudo é regido por Deus,
o universo é u'a máquina perfeita e o nosso mundo não é só o que pode parecer,
isto é, o reino da desordem e do mal. Há uma realidade diferente para além das
aparências. Minha grande satisfação foi o ter descoberto essa outra
realidade. Olhando em profundidade, cheguei a ver que o pior está na superfície
e que, debaixo dessa, se encontra um outro mundo regido por uma outra lei,
feita de sabedoria, justiça e bondade. Esta lei é a Lei de Deus, que da
profundidade tudo dirige. Este é o terreno de pedra resistente onde se pode
construir sem perigo de enganos. Esta é a fonte que pode saciar quem tem sede
de justiça, de bondade e de verdade. Então, a vida não é um caos de lutas desordenadas,
onde há lugar só para os mais fortes, que costumam vencer de qualquer modo, mas
é um lógico e justo trabalho de experiências, é um caminho dirigido para nossa
felicidade. Realmente, não vivemos ao acaso, abandonados a nós mesmos, perdidos
neste imenso universo desconhecido, mas temos um Pai nos Céus, o Qual, se com a
Sua Justiça golpeia os maus, fazendo-o para o bem deles, também recompensa os
bons, que merecem. Podemos contar com Ele e n'Ele confiar. Ele mantém sempre
Sua palavra, que está escrita na Sua Lei, e concede-nos o que tivermos
merecido. Ele vela por todos nós. Temos pois, Alguém que defende nossa vida e
que está pronto a ajudar a todos, bons e maus, para levá-los ao bem e à
felicidade. Somos elementos constitutivos e cidadãos dum universo orgânico, em
cujo seio a Lei coordena nossa vida em relação a todos os outros elementos,
todos irmanados em função do mesmo princípio central diretor, orientados e
impulsionados para a mesma finalidade, que é a salvação universal.
Vemos assim que, em realidade, a
injustiça é fenômeno transitório e de superfície. Quem verdadeiramente manda
é Deus, isto é, o bem, e as próprias forças do mal acabam trabalhando apenas em
função do bem. E, se é Deus quem manda, quem na realidade reina e tem de vencer,
não o faz pela força, mas sim pela justiça. Não há força que possa impor-se
violando esta Lei. Mais cedo ou mais tarde, cada um acaba recebendo o que
merece. A revolta contra a ordem, permitida por Deus, não consegue, como o
homem quereria, subverter essa ordem para sua vantagem, mas só o arrasta para
seu dano. Como quem faz o bem tem de receber sua recompensa, assim, quem faz o
mal tem de pagar com seu sofrimento.
Esclarecer tudo isso, como estamos
fazendo, se representa um aviso para os maus, não há dúvida que
constitui um grande consolo para os bons. Desloca-se assim completamente o
conceito da vida. O mais forte é Deus e quem está junto d'Ele, porque vive
conforme Sua Lei. O verdadeiro poder não está nas mãos dos prepotentes e
astutos, como parece ao mundo. Coisa incrível para quem não sabe ver além das
exterioridades. O poder está nas mãos dos honestos que, pelo fato de obedecerem
a Deus, com Ele colaboram e são por Ele protegidos. Podemos, assim, ter
confiança na vida porque ela está sempre bem dirigida por Quem tudo sabe,
mesmo quando ela se encontra repleta de ignorância; está bem comandada pela
divina bondade, mesmo quando somos maus; está sempre dirigida para o nosso bem
e felicidade, mesmo quando vivemos na dor.
Quanta luz e alegria de otimismo
pode espalhar ao redor de si quem compreendeu tudo isso! E quem se sente alegre
não pode renunciar a satisfação de comunicar aos outros esta sua alegria. Por
isso, nunca nos cansaríamos de explicar estes conceitos, de demonstrar e
confirmar estas verdades, para que os outros também tomem parte nesta festa.
Alegria nenhuma é completa se não e compartilhada com os outros. Vamos assim,
sem querer, explicando sempre mais o conteúdo da nossa obra e seu objetivo.
Nossa luta é só para vencer o mal que inunda o mundo, com as armas da
inteligência, da sinceridade e da bondade. É para oferecer de graça o
produto que parece faltar-lhe mais, isto é, um meio de orientação para aprender
a viver com mais inteligência e menos sofrimento.
Quem conseguiu compreender tudo
isso e viver olhando para Deus, concebe tudo de maneira diferente, torna-se
outro homem e, como se houvesse descoberto um outro mundo, nele
vive uma outra vida, mais satisfeita, ampla e poderosa. Desfaz-se, então, para
ele o jogo das ilusões humanas, em que tantos acreditam com fé inabalável, e
atrás delas aparece outra realidade, que nos explica a razão pela
qual existe e temos de suportar esse jogo. Por outras palavras, vive-se de
olhos abertos, compreendendo o motivo porque tudo acontece. Vive-se orientado a
respeito da conduta a seguir e das finalidades da vida. Quando, por ter
evoluído, cai o véu da ignorância que nos impede de ver esta outra realidade,
então se compreende que fazer o mal aos outros, acreditando ser possível levar
vantagem, é loucura que não tem o alcance desejado. Auferir lucros por esse
caminho pode parecer possível só para quem está ainda mergulhado na
ignorância, própria dos níveis inferiores da evolução. O que de fato acontece
é que quem espalha veneno o espalha para todos e para si também. Assim quem faz
o mal, acaba fazendo-o também a si mesmo.
Não há somente um funcionamento
físico e dinâmico, mas também um funcionamento moral e espiritual do
universo, com as suas leis exatas e fatais, como são as leis do plano físico e
dinâmico que a ciência estuda. O universo em que moramos, está construído de
maneira tal, que seria grande erro dizer que um determinado dano não nos
interessa por não ser nosso. Não é possível isolar-nos de coisa alguma no
universo. Queiramos ou não, estamos irmanados a força no mesmo
mundo, respirando todos uma mesma atmosfera de fenômenos, sejam físicos,
dinâmicos ou espirituais, - entrelaçados entre si, - de maneira que qualquer
movimento ecoa e se repercute em todos os sentidos, e não pode parar, enquanto
não atingir seus últimos efeitos. Não existem compartimentos estanques,
divisões absolutamente trancadas, que possam parar uma vibração, uma vez que
esta seja posta em movimento. Não é possível construir paredes suficientemente
fortes que possam separar seres feitos da mesma vida e sujeitos à mesma Lei,
paredes capazes de isolar a nossa vantagem da vantagem dos outros, ou nosso
dano, do dano dos outros. Tudo, enfim, se precipita na mesma atmosfera, de
onde cai a chuva para todos.
É verdade que em a natureza
existem prepotência e parasitismo, e a vida os permite e os aceita. Mas, por
quê? A vida age assim, não para vantagem do vencedor, mas da vitima, e por este
caminho, lutando, lhe ensina a conquistar para si o seu lugar no mundo. Assim,
acontece que, quando a vítima aprende a lição sob os pés do vencedor, lição
que este mesmo lhe ensinou com o exemplo, esmagando-o, ela se rebela; então o
escravo, se puder, escraviza o patrão. Mas, quem foi que doutrinou e adestrou
os subordinados, mostrando-lhes este caminho? É assim que a
prepotência, filha da injustiça, dá fruto até certo ponto e essa superioridade
e predomínio duram enquanto ensinam. Isso é de fato o que vemos acontecer no
mundo. O que sustenta tanta luta é tão-somente a antevisão da vitória. E a
razão dessa luta contínua é o fato de ela, em si, constituir uma escola para desenvolver
a inteligência, até se chegar a compreender que a vitória antevista é uma
ilusão. Mas, na verdade, serviu como estímulo, para que o indivíduo alcance o
objetivo da vida, que é o progresso.
O homem foi sempre vítima de
enganos dos sentidos e de sua mente, enganos que o levaram a erradas
interpretações dos fatos. Acreditou-se já na solidez e indestrutibilidade da
matéria; acreditou-se que o Sol girava ao redor da Terra e não a Terra ao redor
do Sol; que a Terra era imóvel; e, assim, em muitas outras coisas. Só agora
começa o homem a perceber quão enganadora é a aparência das coisas e que a
verdade é outra, embora ainda esteja escondida bem profundamente. De quantas
ilusões psicológicas temos ainda que libertar-nos! Isto sobretudo no terreno
intelectual, porque é nosso intelecto o meio por intermédio do qual percebemos
e concebemos tudo. O que condiciona nossos julgamentos e idéias em todos os campos
é a natureza, as capacidades e o desenvolvimento do intelecto. Cada ser não
pode viver senão em função da compreensão que possui. Assim, muitas vezes
aceitamos como verdades absolutas, axiomáticas, idéias que são frutos da nossa
forma mental, e que a ela respeitam. É necessário um controle contínuo,
e saber olhar em profundidade, para se chegar a compreender a falsidade de
tantos conceitos que cegamente aceitamos e que dirigem nossa vida.
Cada um julga com os elementos que
possui. Quanto mais somos ignorantes, menos elementos possuímos, e quanto
menos elementos possuímos, mais rápidas e absolutas são nossas conclusões. Ao
contrário, quem possui mais conhecimento e, com isso, mais elementos para
julgar, não chega a conclusões simplistas, rápidas e absolutas. Logo, quem
mais se aproxima da verdade é quem julga lentamente, sem absolutismo, mas com
profundidade. Então, quem julga, lançando seu julgamento sobre os outros, em
última análise julga a si mesmo, e com seu julgamento, se revela. Pelo fato de
ele não poder julgar senão conforme seu tipo de pensamento e natureza, com
o seu julgamento são descobertos seu pensamento e sua natureza. A melhor
maneira de se chegar a conhecer uma pessoa é a de observar os seus julgamentos
a respeito dos outros. Quando alguém cai na ilusão de supor que, julgando os
outros, está assim pondo-os a descoberto e colocando-se acima deles, na realidade,
apenas se está submetendo a julgamento, descobrindo-se e mostrando a todos seus
próprios defeitos.
O mundo em que vivemos é muito
diferente do que aparece por fora, daquilo que a maioria julga ser real. Quem
faz o mal aos outros o faz a si mesmo, quem julga está sendo julgado; apesar da
tentativa do homem de contraverter a lei da justiça para sua vantagem, a
justiça o vence, se assim ele o merecer. E desse modo, sempre. Esta é uma
constatação que estamos fazendo. Mas, a essa altura, poderíamos perguntar; como
é possível tudo isso, como acontece essa retificação, qual é a mecânica desse
fenômeno?
É tudo devido à Lei, cuja
presença nunca nos cansaremos de salientar. E presença da Lei quer dizer
presença da vontade viva e ativa de Deus. O Pai nosso que está nos céus não
está ausente do nosso mundo, indiferente à nossa vida, vida que de súbito
acabaria se não fosse sustentada por Ele, pela Sua viva presença. Dentro da Lei
ou Vontade de Deus, o homem é livre de movimentar-se, embora dentro de limites
marcados. Por isso, dentro desses limites, ele pode agir de maneira diferente
da que manda a Lei. Nasce então, quando o homem não age de maneira concorde com
a Lei, a luta entre ele e Deus, um choque de vontades: por um lado, a da
criatura rebelde, para inverter tudo, de tudo tornando-se centro e
dona, o que seria o caos, a destruição e a morte; e, por outro
lado, a vontade de Deus, para endireitar tudo, permanecendo Ele centro e dono,
- o que é a ordem, a salvação e a vida.
Se a vontade de Deus, escrita na
Lei, não retificasse a todo o momento o desvio que o homem tenta realizar,
fora do caminho certo, tudo acabaria na desordem. Na verdade, seria absurdo que
a criatura pudesse substituir-se ao Criador na direção dum mundo cujas leis
profundas, escapam à sua inteligência. Se a vida do homem não fosse dirigida
por uma mente superior a dele, como organismo físico, como estrutura
social, desenvolvimento histórico, como ascese espiritual - tudo no mundo
teria fracassado há muito tempo. Se tudo o que significa rebeldia do homem à
Lei não fosse continuamente corrigido e devidamente orientado na direção certa
para a salvação final, como poderia esta ser atingida, como tem absolutamente
de o ser? Certamente não é o homem que pode dirigir o navio da humanidade
através do oceano do tempo. Ele está perdido nos pormenores do momento, nas
suas lutas e interesses particulares. Falta-lhe a visão para se orientar no
caminho dos milênios.
Assim, a Lei, trabalhando de dentro
para fora, da profundidade para a superfície, vai sempre suprindo os gastos
que na vida se verificam, emendando os erros, retificando os desvios da
criatura inexperiente. É a vontade de Deus que salva tudo e não a
vontade do homem. É ela que na justiça final reequilibra a injustiça do
mundo; é ela que na sua ordem corrige a desordem, que com a sua inteligência
dirige nossa ignorância, que com a sua bondade cura e elimina nossa maldade;
que, educando-nos, anula nossos erros com o sofrimento, levando-nos
para a felicidade. Esse fenômeno é devido ao que se chama imanência de Deus,
Que não existe só, transcendente, nos Céus, mas também, presente, entre
nós. Se assim não fosse, quem poderia salvar o mundo? Tudo estaria perdido. É
a presença d'Ele que impulsiona e dirige a evolução, reorganiza o caos,
reconstrói o edifício despedaçado, fazendo retomar todos os elementos à sua
unidade, o mal ao bem, as trevas à luz.
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