Quase morte, parte 2
Apenas passei ao outro mundo
Historicamente, tentativas de definir o momento exato da morte foram problemáticas. A identificação do momento da morte é importante, entre outros casos, no transplante de órgãos, porque tais órgãos precisam ser transplantados o mais rápido possível.
A morte foi anteriormente definida como parada cardíaca e respiratória mas, com o desenvolvimento da ressuscitação cardiopulmonar e desfibrilação, surgia um dilema: ou a definição de morte estava errada, ou técnicas que realmente ressuscitavam uma pessoa foram descobertas (em vários casos, respiração e pulso cardíaco podem ser restabelecidos). A primeira explicação foi aceita, e atualmente, a definição médica de morte é conhecida como morte clínica, morte cerebral ou parada cardíaca irreversível. A morte cerebral é definida pelo cessar da atividade elétrica no cérebro. Porém, alguns dos que defendem que apenas o neo-córtex do cérebro é necessário para a consciência argumentam que só a atividade elétrica do neo-córtex deve ser considerada para definir a morte. Na maioria das vezes, é usada uma definição mais conservadora de morte: a interrupção da atividade elétrica no cérebro como um todo, e não apenas no neo-córtex, é adotada, por exemplo, na "Definição Uniforme de Morte" nos EUA.
Paul é um garotinho alemão de 3 anos, em 2010 ele estava brincando perto do lago nos jardins da casa do avô no pequeno paraíso de Lychen, Brandenburgo. Paul acabou escorregando no lago e se afogando. Algumas horas depois seu avô o encontrou sem vida a margem do lago – e prontamente levou-o de helicóptero a um hospital próximo a Berlim...
Na emergência, 4 médicos lutaram para reanimá-lo, mas sabiam que era uma batalha perdida – teoricamente o tempo máximo em que uma pessoa pode ser reanimada de uma parada cardiovascular é de aproximadamente 30 minutos, as vezes um pouco mais, mas já haviam se passado mais de 3 horas! Porém, após exatas 3 horas e 18 minutos, seu coração voltou a bater, e o garoto simplesmente “voltou da morte”.
O mais interessante, entretanto, é o que o garotinho de 3 anos disse que “ficou fazendo” durante o tempo em que estava clinicamente morto: “Eu estava com a vovó Emmi no Céu. Ela disse que eu teria de voltar a Terra novamente, e que não poderia ficar com ela por muito tempo.” – Trata-se de um relato típico de umaexperiência de quase morte (EQM). Ao longo dos registros recentes da medicina, temos milhares de casos assim – entre crianças, entre adultos, entre idosos, entre crentes, ateus e céticos, ricos e pobres, homens e mulheres, enfim, entre todos nós mortais...
Até muito recentemente, este fenômeno era considerado pela ciência oficial um assunto vulgar, fruto de lendas, crendice popular ou religiosidade. No entanto, pesquisas como a do Dr. Raymond Moody, principalmente após o seu livro “Vida Depois da Vida” (que gerou o filme homônimo), levaram ao início de uma nova corrente de pesquisas em todo o mundo sobre o fenômeno.
As pessoas que viveram o fenômeno relatam, geralmente, uma série de experiências comuns, tais como: um sentimento de paz interior; a sensação de flutuar acima do seu corpo; a percepção da presença de pessoas (conhecidas ou não) à sua volta; visão de 360º; ampliação de vários sentidos; a sensação de viajar através de um túnel intensamente iluminado no fundo (efeito túnel); uma “recapitulação” dos eventos de maior carga emocional em sua vida até então (às vezes como uma espécie de “cinema mental”).
Nesse espaço atemporal, a pessoa que vive a EQM percebe a presença do que a maioria descreve como um “ser de luz”, embora esta descrição possa variar conforme os arquétipos culturais, a filosofia ou a religião pessoal. O portal entre estas duas dimensões é também descrito como “fronteira entre a vida e a morte”. Por vezes, alguns pacientes que viveram esta experiência relatam que tiveram de decidir se queriam ou não regressar à vida como a conheciam.
A comunidade médica foi forçada a olhar para a morte e a sobrevivência da consciência sob uma nova perspectiva. Em seu livro “O que acontece quando morremos” (Ed. Larousse), o cientista britânico Dr. Sam Parnia traz um relato de seus estudos na área, prosseguimento direto dos estudos iniciados por Moddy – “Nós agora temos a tecnologia e o conhecimento científico para explorar essa questão definitiva”.
Parnia considera inclusive a possibilidade da consciência sobreviver e operar mesmo sem uma atividade elétrica no cérebro, enquanto o corpo se encontra clinicamente morto. No caso do garotinho alemão, numa análise cética podemos supor que ocorreu algo de muito estranho, mas que o relato do menino se tratou apenas de um sonho, de um devaneio produzido por sua mente pouco antes ou após do período em que entrou em inatividade elétrica total. Mas, e o que dizer de pacientes que relatam conversas entre os médicos durante cirurgias de anestesia total, ou mesmo durante tentativas de reanimação? E nos casos em que trazem descrições detalhadas de instrumentos cirúrgicos ou detalhes da decoração do hospital – ou ainda quando informam sobre eventos ocorridos no quarteirão em torno do hospital? Tudo isso enquanto estavam clinicamente mortos, sem atividade elétrica alguma... Esses exemplos são descritos no livro de Parnia, mas todo clínico geral certamente terá uma ou outra história estranha para contar sobre o assunto... Dá o que pensar...
Mas a pesquisa de Parnia será ainda longa, durará anos e anos, e até o momento é inconclusiva. Embora ele considere a possibilidade da consciência “flutuar” pelo ambiente em torno do corpo inerte (parte da pesquisa consiste em esconder figuras randômicas por cima de luminárias no teto dos leitos, de forma que somente alguém “lá no alto” poderia vê-las para contar a história), ele considera igualmente às explicações mais tradicionais e céticas – na verdade as considera até com maior importância, embora sua coragem para se arriscar nesse outro tipo de estudo mais heterodoxo seja louvável...
A questão central é que a morte em si é apenas uma experiência que se tem ainda em vida. Se uns tem a sorte de voltar para contar a história, outros que se foram para uma outra dimensão da realidade, ou para a aniquilação final, certamente devem ter passado por algo semelhante – muito embora nenhuma experiência seja a mesma, assim como ninguém irá descrever uma peça de teatro ou filme de cinemaexatamente da mesma forma.
Há muitos casos de pessoas que retornaram das EQMs mais espiritualizadas, ou pelo menos com um ânimo renovado para viver a vida (mesmo as céticas, podem se tornar mais sensíveis e amorosas ainda que continuem não crendo em Deus ou algo do tipo). Eis que, iludidas ou não, elas parecem trazer uma quase certeza de que a morte não é mesmo o fim – e que o “lado de lá” é até mesmo muito parecido com o lado de cá. No fim, cada consciência parece estar sempre onde seus pensamentos a sintonizam.
De certa forma, não há nada de tão novo do outro lado. “Apenas passei ao outro mundo” – alguns poderão dizer, como quem saiu de um oceano para mergulhar em outro, apenas as águas estavam menos turvas. Talvez, sejamos mesmo como rádios que sintonizam pensamentos vindos de algum lugar – ocorre que, finda a energia que mantinha a recepção radiofônica, passamos a ser sintonizados em algum outro canto do Cosmos.
Não confundamos a aparência da casca da árvore com a luz que a ilumina. A casca sempre foi invisível, o que é visível é a luz!
Na continuação, porque os relatos das experiências de morte são importantes para uma visão ecumênica das religiões (e até mesmo das doutrinas agnósticas)..
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